A ONDA VODU


A ONDA É CASCA GROSSA

O pico representa um dos maiores desafios para qualquer big rider. Não somente por seu tamanho, mas por sua atmosfera e suas histórias aterrorizantes. "Combine água gelada com uma força oceânica jurássica no inside e a sensação constante do 'perigo branco' (tubarões) e você terá a mais apavorante e magnífica onda do planeta", exalta Evan Slater, editor da revista americana SURFING.

De fato, surfar Maverick's é uma das mais extremas e intensas experiências na vida de um surfista. Nos dias realmente gigantes, a onda vodu se transforma numa avalanche d'água, carregando tudo o que estiver pela frente e impossibilitando o surf de remada. As pedras espalhadas por todos os lados, as gélidas correntes furiosas, os ventos intensos (é preciso de uma roupa de borracha com 4 milímetros de espessura, botas, capacete e até luvas para não congelar) e as ondas que chegam a passar dos 60 pés causam enjôos nos mais bravos homens.


OS RISCOS
Muitos dos piores wipe-outs de que se tem registro foram vivenciados nesse insólito lugar. E nem todos tiveram um final feliz como o de Jay Moriarty, em 1994, que, apesar da queda cinematográfica, sobreviveu a furia de Maverick's, ao menos naquele dia. Alguns anos depois, o jovem surfista morreria praticando mergulho nas ilhas Maldivas.

A difusão do tow-in, a partir da década de 90, permitiu que os surfistas tivessem condições de desafiar swells cada vez maiores e mais pesados em Maverick's, em performances assistidas de camarote pelas platéias ensandecidas no despenhadeiro de Pillar Point. "O peso de uma onda dessas pode chegar a milhares de toneladas, ocasionando uma pressão absurda, fazendo o surfista dirigir sua prancha em uma velocidade de até 70 km/h", ressalta o brasileiro Carlos Burle.

As histórias comprovam que um caldo nessas águas pesadas é uma experiência casca-grossa. O parceiro de Burle, Eraldo Gueiros, lembra com orgulho de ter surfado Mavs, mas admite: é uma das ondas mais perigosas que existem. "As pedras, a água gelada e os tubarões apavoram qualquer um. E o caldo é como cair e bater no chão em alta velocidade. Você não penetra de primeira na água, que fica quase sólida".

De fato, quando se trata de ondas gigantes, não há como brigar contra a natureza do oceano, e cada momento parece durar uma eternidade. Vinte segundos submerso, quando você sabe que voltará à superfície, não parece muito tempo. Mas depois de 30 segundos embaixo d'água, o surfista normalmente entra em pânico e, mesmo se ele for um expert, aos 50 segundos estará inconsciente. Ainda há o risco de ficar preso a uma pedra pelo leash de sua prancha ou mesmo o de ser atingido pela prancha e desmaiar debaixo d'água, sem chances de lutar pela sua vida.


A MORTE DE MARK FOO
Em dezembro de 1994, um dia ensolarado, sem vento e com ondas que não passavam dos 20 pés, muitos dos melhores surfistas de ondas grandes se divertiam em Maverick's, que, apesar de não estar em seus maiores dias, trazia séries consistentes. A multidão assistia do despenhadeiro ao show dos big riders.

Mark Foo surfava pela primeira vez a onda, assim como Mike Parsons e Broke Little, e comentava com os amigos o quanto se sentia feliz por estar ali, mas que seria ideal se o mar ficasse um pouco maior. Após algumas horas de surf, Foo remou com Ken Bradshaw numa onda de 15 pés. Bradshaw desistiu e deixou o caminho livre para Foo. Depois de descer metade da onda, o surfista perdeu o equilíbrio e caiu. Parsons e Little vacaram a onda seguinte, desaparecendo na espuma branca e depois sendo encontrados em apuros nas pedras.

"Estávamos todos nos divertindo entre uma onda e outra. Não parecia haver perigo naquele dia", contou Parson, mais tarde. O complicado resgate dele e de Little concentrou a atenção de todos no mar, mas, passada a confusão, a falta de Foo foi notada. Já fazia cerca de uma hora que ele tinha surfado sua última onda. Evan Slater, então um dos mais atirados surfistas do lugar, encontrou um pedaço da sua prancha roxa e amarela de Foo perto da entrada do porto de Pillar Point e percebeu que havia alguma coisa de errada com Foo. Slater e Parsons ficaram desesperados, mas não imaginavam encontrar o surfista boiando, com os braços e as pernas abertos e um pedaço da sua inconfundível prancha ainda amarrado ao tornozelo. Parsons depois lembraria que, durante o seu caldo, tinha esbarrado em alguma coisa sólida embaixo da água ─ que provavelmente seria o corpo de Mark Foo.

No barco, uma equipe ainda tentou ressuscitar Mark Foo, que tinha se afogado. Tarde demais: Maverick's levara para sempre um dos mais respeitados surfistas de ondas gigantes. O acidente fatal chocou a comunidade do surf mundial e, pelos próximos anos, Maverick's, que havia sido denominada como a "onda vodu" pela revista americana SURFER dois anos antes do acidente, carregaria o estigma de maldita por um bom tempo.


A DESCOBERTA
Maverick's foi descoberta nos anos 60 por pescadores e surfistas viajantes, mas permaneceu com o título de "onda gigante insurfável" até a proeza de Jeff Clark, em fevereiro de 1975. Após anos observando e estudando as condições da onda, Clark, com apenas 17 anos, decidiu remar sozinho para o line-up de Maverick's. Mesmo sabendo que aquela atitude poderia lhe custar a vida, encarou cinco ondas históricas, a maior delas com 15 pés.

A partir daquele dia, e pelos próximos 15 anos, Clark desfrutaria praticamente sozinho do pico. Durante esse tempo, alguns surfistas de Santa Cruz até tentaram enfrentar a onda algumas vezes, mas todos acabavam sentados no canal assistindo o show de Clark. Na década de 90, quando Maverick's saiu do anonimato para as capas das revistas de surf, Clark perdeu a exclusividade de seu local favorito no mundo: "Maverick's costumava ser somente minha. Era o lugar onde eu buscava a paz, meditava sozinho. Levou algum tempo até me acustumar com a situação de diferentes energias dentro da água", confessou o pioneiro.


O PICO
Localizada a cerca de 1 quilômetro de Pillar Point, em Halfmoon Bay, na Califórnia, Maverick's começa como uma pequena ondulação atmosférica no norte do Oceano Pacífico, formada a partir de uma massa fria vinda do Ártico e outra massa quente originária do Pacífico ─ o que ocorre somente na temporada de outono/inverno do hemisfério norte, quando as grandes tempestades acontecem milhas adentro do oceano. A média é de apenas oito dias de ondas gigantes por ano. Por isso, além de ficar atento às previsões, o surfista tem de contar com a sorte para acertar em cheio.


68 PÉS!
O brasileiro Carlos Burle teve sorte e talento para surfar a maior onda de Maverick's. Em 21 de novembro de 2001, puxado por seu parceiro Eraldo Gueiros, ele desceu uma morra estimada em 68 pés e faturou o Billabong XXL, que anualmente premia a maior onda surfada da temporada.

"Incrível surfar uma onda com aquelas proporções, parecia que eu ia ser arremessado", lembra Burle ao falar de um dos momentos mais assustadores da sua carreia.