Querer é poder, sim!

A TECNOLOGIA JÁ EXISTE E MAIS CEDO DO QUE MUITA GENTE IMAGINA ESTAREMOS SURFANDO EM ONDAS ARTIFICIAIS. PODE SER NAQUELA PRAIA QUE ANTES NÃO SEGURAVA O SWELL, OU NUM “PARQUE DE SURF” BEM LONGE DO LITORAL.


Imagine surfar ondas perfeitas com até 8 pés de altura na face por mais de 90 metros em uma piscina que possui recifes artificiais controlados por computadores para se organizarem de forma a proporcionar surf de alta qualidade. “De 3 pés gordos para iniciantes até ondas que produzem tubos consistentes de 8 pés, com a baforada e tudo, para competições mundiais de surf. Já somos capazes de fazer e estamos trabalhando nisso”, garante Kerry Black, surfista e cientista neozelandês, proprietário da empresa ASR (Artificial Surfing Reefs). Com um time de mais de 20 cientistas e filiais nos Estados Unidos e na Índia, a ASR participou, durante a última década, de dezenas de projetos com recifes artificiais e piscinas que têm por objetivo produzirem as ondas com que todos os surfistas sonham.

Existem basicamente duas formas de criar ondas surfáveis: recifes artificiais ou piscinas. Segundo o Dr. Black, além de produzir ondas, os recifes possuem diferentes propósitos. “Os recifes da ASR podem servir para proteção costeira, fomentar a biologia marinha e, claro, para produzir ondas de sonho para o surf. Mas o recife não oferece um ambiente controlado como a piscina, e sim uma interação baseada em estudos que nos apontam que tipo de ondas eventualmente vai quebrar em determinado local com a aplicação da nossa tecnologia”, explica.

Com os resultados obtidos em Mount Maunganui e Opunake, na Nova Zelândia, Oil Piers, em Ventura, na Califórnia, Bournemouth, no sul da Inglaterra, entre diversas outras localidades ao redor do globo, a ASR vem consolidando como líder mundial na implementação de recifes artificiais.

O projeto de Mount Reef, como foi batizado o recife de Mount Maunganui, por exemplo, foi iniciado há nove anos, envolveu diversas instituições públicas e particulares e os gastos com a obra totalizam aproximadamente 2,5 milhões de reais. “Os recifes são absolutamente viáveis considerando o aspecto financeiro. Nós realizamos diversos estudos que demonstram que os recifes trazem entre vinte e setenta vezes o custo total do seu projeto de volta para a comunidade local, através de visitantes”, afirma David Neilson, diretor executivo do projeto do Mount Reef. “O Mount Reef nos trará mais de trinta vezes o seu próprio valor. Uma única competição com três dias de duração, que reúna cem surfistas, trará pelo menos 100 mil dólares (aproximadamente 180 mil reais) para a nossa cidade, considerando acomodação, alimentação e transporte de todos os atletas”, acrescenta David.

Apesar do valor do Mount Reef, os recifes podem custar menos de um milhão de dólares, incluindo desenho, a engenharia e a construção da bancada. “Um recife protege cerca de 600 metros de orla marinha, ou seja, ele não é mais caro do que outras medidas de proteção costeira. O dinheiro gasto é gasto da seguinte forma: aproximadamente 150 mil dólares para estudo e gerenciamento do projeto, 350 mil para o geotextil, incluindo costura e o transporte das bolsas, 150 mil para a areia e outros 350 mil para os gastos referentes à construção. Mas é evidente que cada projeto apresenta desafios e, portanto, custos diferentes”, conta o Dr. Black.

O recife de Mount Maunganui possui o formato da letra “A” e está localizado a 250 metros da praia, a 4,5 metros de profundidade e tendo sua parte mais rasa localizada a 0,4 metro da superfície, considerando a maré mais baixa que o local pode apresentar. O volume total do recife é de seis mil metros cúbicos. “O Mount Reef é uma versão menor da onda de Pipeline, no Hawaii. Com uma onda ultra-rápida de um lado da bancada e outra mais lenta do outro, dependendo da direção do swell”, explica Black, que utilizou maquetes em piscinas localizadas no laboratório da ASR para testar o formato ideal do recife e verificar que tipo de ondas o mesmo produziria.

Uma forte característica da tecnologia da ASR é a preocupação com o meio ambiente e possíveis impactos ambientais. “Fazemos questão de assegurar que todos os recifes instalados possam ser removidos caso seja necessário. Os recifes artificiais são comprovadamente benéficos para a natureza, considerando todos os aspectos possíveis. O respeito ao meio ambiente é sem dúvida a marca registrada dessa tecnologia”, diz o cientista.

O Mount Reef é formado por 24 bolsas de geotextil, produto criado por um tipo de poliéster conhecido como “Terrafix”, substância que já foi testada e aprovada na construção de outros recifes artificiais. Cada bolsa possui proporções distintas e todas foram inicialmente organizadas ainda em terra, para então serem rebocadas para o fundo do mar e presas por um tipo de âncora denominada “Manta Ray”. “Os resultados foram muito positivos. Ainda não concluímos o projeto. Temos todas as 24 bolsas posicionadas no fundo do mar, mas ainda temos que preencher 30% do volume total delas com areia. A esta altura, os resultados já são espetaculares: tivemos ondas cavadas e perfeitas com aproximadamente dois metros de altura na face e se deslocando por aproximadamente 50 metros. Isso é apenas o começo, porque esperamos ondas ainda melhores quando todo o projeto estiver concluído”, ressalta Black.

Outra iniciativa entre tantas que a ASR está conduzindo é o mega-projeto da marca Ron Jon, que está construindo o Ron Jon Surf Park, em Orlando, na Flórida. “Tivemos alguns atrasos e estamos esperando em virtude da crise financeira norte-americana”, explica Nick Behunin, co-fundador da ASR e um dos principais responsáveis pelo projeto. Os Surf Parks são significativamente mais caros do que os recifes artificiais. “É impossível determinar precisamente o custo de um projeto sem saber a localização e todos os detalhes que envolvem a construção, mas uma piscina grande, capaz de produzir ondas de qualidade para o surf competição, custa geralmente pelo menos 10 milhões de dólares (cerca de 18 milhões de reais)”, acrescenta.

Originalmente, o Ron Jon Surf Park deveria estar pronto no começo de 2009, mas com esse atraso o time da ASR não sabe ao certo quando o projeto será concluído. “Agora é uma questão financeira, pois precisamos de orçamento para desenvolver a nossa tecnologia a todo vapor. Estamos avaliando também outros lugares que poderão receber Surf Parks, como o Sul da Califórnia e Nova York, além de outras possibilidades”. Afirma Nick.

Um típico Surf Park, como o que a ASR está desenvolvendo para a Ron Jon, deverá possuir três piscinas: uma para iniciantes, outra para bodyboarders e uma para surfistas mais experientes. “Teremos ondas para todos os níveis de surf. Mas na piscina para surfistas experientes não serão permitidos iniciantes. Estes deverão primeiro aprimorar o surf na piscina de treino, para depois surfarem em ondas maiores. Mas mesmo para as pessoas que não desejam sequer entrar na água, os Surf Parks oferecerão restaurantes, lojas de todos os atrativos de um grande conglomerado de entretenimento”, garante Black.

Cada surfista deverá pegar cerca de 15 ondas durante uma sessão de 2 horas na piscina principal. “Uma sessão de 2 horas na piscina principal vai custar entre 50 e 60 dólares e na piscina para iniciantes cerca de 35. Mas estamos estabelecendo propostas para membros, o que garante um custo reduzido para quem deseja realizar o cadastro”, explica Nick. Estão sendo comercializadas reservas para membros do Ron Jon Surf Park, que possui inclusive uma lista de espera, considerando que já existem 4 mil pessoas interessadas nas 2 mil vagas que foram reservadas para membros.

Para organizar todo este crowd, serão formados grupos de 4 a 6 pessoas, que possuam, em média, o mesmo nível de habilidade sobre a prancha por sessão. “Após cada série de ondas, um atendente encaminha o grupo, que já estará esperando pela sua vez na sala denominada Liquid Lounge, até a entrada da piscina. Este atendente registra a sessão na pulseira que o surfista estará usando no pulso, o que possibilitará saber quantas ondas ele já surfou. Além disso, teremos registros instantâneos das ondas e as imagens serão exibidas em um telão localizado atrás da piscina”, diz Black. Ou seja, você pega as suas ondas, sai da piscina e vai se alimentar ou beber algo vendo as imagens da última bateria no telão.

Este sonho de qualquer surfista está se tornando realidade graças a três aspectos principais da tecnologia ASR: o Groundswell Wave System, a Wedge Pool e o Versareef. Existem sistemas que usam processos hidráulicos, pneumáticos ou por vácuo para criar ondas em piscinas. “Acontece que, resumidamente, todos estes necessitam de muita energia ou criam ondas com intervalos curtos demais para o surf. O Groundswell Wave System combina as tecnologias pneumáticas e por vácuo criar ondas como a natureza faz: com séries múltiplas e intervalos que geralmente variam entre 8 e 12 segundos”, conta Black.

O sistema não possui partes móveis que ficam submersas e praticamente não requer manutenção. “A altura das ondas, o ângulo do swell e todas as outras características são ajustáveis via computador, o que torna a possibilidade de experimentos ilimitada”, ressalta o cientista.

A Wedge Pool foi desenhada para maximizar a qualidade e o deslocamento das ondas. “Enquanto a maioria das piscinas fica mais ampla ao longo do trajeto que a onda percorre, e a onda por sua vez fica menor, a Wedge Pool fica mais estreita, comprimindo a energia da onda em um espaço menor e minimizando a perda de tamanho e força ao longo de todo o percurso”, garante Black.

Com o intuito de permitir que o Surf Park possa sempre oferecer uma experiência nova aos surfistas, o Versareef foi criado para proporcionar uma variedade de ondas. “Flutuante e ajustável, o Versareef fica suspenso no fundo da piscina por uma série de cabos controlados por computador e apoiado por reservatórios preenchidos com água. Ajustando o comprimento de cada cabo e o volume de cada reservatório, diferentes fundos são criados para produzirem ondas com características únicas. A ASR mapeou os recifes das 40 melhores ondas do mundo para ser capaz de reproduzi-las na piscina do Surf Park. O resultado é um reef mutante, que pode mudar para copiar de Trestles a Teahupoo em 15 minutos ou menos”, complementa Black.

Para testar o Surf Park e o desenvolvimento da sua tecnologia, a ASR conta com um time de surfistas profissionais, como os irmãos Cory e Shea Lopes e Damien Hobgood. “É muito importante para nós contarmos com um time de profissionais tão experiente e capacitado para evoluirmos o nosso trabalho. Em 10 anos, eu acredito que estaremos construindo reefs e piscinas em todos os continentes e eles serão grande parte do estilo de vida dos surfistas da próxima geração”, conclui Nick.
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NO BRASIL
O IPDRAM (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Recifes Artificiais Multifuncionais) lida exclusivamente com o desenvolvimento de fundos artificiais e possui duas diretorias locais: uma em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, e outra em Búzios, no Rio de Janeiro, onde recifes já foram instalados, porém, não com o propósito de criar ondas.

Alguns anos atrás, a COPPE (Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Fundação Rio-Águas assinaram um termo de compromisso que deu início ao projeto do primeiro “surfódromo brasileiro”, como ressaltam os documentos arquivados no site da universidade. Pouco se falou sobre o assunto e nenhuma novidade foi demonstrada durante praticamente os últimos 4 anos. Políticos cariocas assinaram um documento que deveria viabilizar a inclusão do recife artificial da praia da Macumba no orçamento municipal do Rio de Janeiro, o que não implica em patrocínio certo para o projeto, mas garante a possibilidade de pleitear o dinheiro público, mas nada aconteceu e as pessoas envolvidas na iniciativa na época não demonstraram interesse em falar sobre o assunto atualmente.
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LONGE DO IDEAL
Segundo os cientistas da ASR, nenhuma das piscinas que foram postas em operação até hoje chegou sequer perto do potencial oferecido pela tecnologia já existente. “A piscina da Malásia, a das Canárias e a Typhoon Lagoon, em Orlando, na Flórida, são bons exemplos de piscinas de ondas que não foram projetadas e construídas para criar boas ondas”, afirma Nick Behunin, parceiro do Dr. Black no sonho da onda artificial.
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A MELHOR ATÉ HOJE

Por outro lado, a melhor piscina que já existiu, foi a do Seagaia Ocean Dome, no Japão, mas que infelizmente foi fechada por não ter se viabilizado economicamente. Parte integrante do Sheraton Seagaia Resort, ela foi projetada pelo Mitsubishi Heavy Industrial Group e seu custo total atingiu a astronômica soma de 2 bilhões de dólares. Com 300 metros de comprimento e 100 de largura, coberta por um gigantesco teto retrátil, ela mantinha as condições climáticas sempre em padrões ideais e possuía capacidade para produzir ondas de até oito pés de altura, mas que perdiam qualidade ao passar dos seis pés. Para isso se utilizava 20 bombas gigantescas, que liberavam mil e oitocentas toneladas de água a cada onda. Construída em 1993, o número de visitantes atingiu seu pico em 1995, com 1,25 milhões de freqüentadores ao ano. Assim mesmo, desde o primeiro dia, até seu fechamento definitivo, em outubro de 2007, sua operação sempre foi deficitária. Fábio Gouveia chegou a vencer um campeonato lá em 1993.