CAÇADORES DE RECOMPENSA

100 mil dólares mudariam o jeito como você surfa? Talvez já esteja mudando.
O que você faria por um milhão de dólares?
Comeria coco? Transaria com sua mãe? SUP em Teahupoo?
Só considerar já é humilhante, especialmente sem ninguém oferecendo a grana.
Recentemente, entretanto, o mundo do surf tem oferecido quantias consideráveis para surfistas irem um pouco além do convencional. Você pegaria uma onda possivelmente fatal por 50 mil dólares? Daria um aéreo que detonaria seu joelho? Que tal apostar na quantia de 100 mil dólares com todas suas filmagens originais?
É o tipo de dinheiro que pode mudar sua vida ─ mesmo se você não levá-lo.


UM AÉREO MALUCO ─ US$ 50.000
Flynn Novak está pirando. Se jogando de costas em cada seção cavada que encontra, rezando para completar a manobra que salvará sua carreira. Está tentando acertá-la há dez anos e, nesse, finalmente conseguiu (clique aqui para ver).

Com pouco patrocínio e uma conta bancária vazia, os vídeos caseiros de backflips são tudo o que lhe resta. Flynn postou-os primeiramente na competição Innersection, de Taylor Steele, mas, por uma casualidade, foi desclassificado. Postou-os então no site da Kuston Airstrike, com 50 mil dólares em jogo por um “aéreo maluco”. Mas ele está competindo contra uns talentos bizarros. Josh Kerr, Chippa Wilson, Mitch Coleborn. Esse é o novo espetáculo aéreo, rolando em todo e qualquer lugar ao mesmo tempo. E está ficando bem competitivo.

Desde o upload de Flynn, no entanto, poucas pessoas mandaram filmagens. “Freesurfers” são uma raça frágil. Esses fóruns online são muito delicados para a briga bárbara do WQS, mas também tendem a mexer com seus egos. Fotos são fáceis. Perfis em vídeo, sem problemas. Mas pau a pau, manobra versus manobra, está errado. Certo?

Aéreos são meio parecidos com breakdance. Sem espectadores, talvez nem existissem. Mas nessa era de freesurfers, expression sessions e replay instantâneo, peripécias aéreas são uma escolha legítima de carreira. Desta maneira, faz perfeito sentido uma empresa de calçados dar uma jaqueta esportiva feita de notas de 100 dólares a Dusty Payne pelo melhor aéreo reverse do ano.

Após o encerramento controverso do ano passado, a Kustom nomeou um grupo de especialistas — Joel Parkinson, o videomaker Kai Neville e o editor de revista Travis Ferré — para julgar os vídeos dos participantes de acordo com seus próprios critérios.

No momento, Flynn está certo que a jaqueta de dinheiro lhe servirá bem — ele provavelmente a deixará no primeiro banco por onde passar. Mas conforme o período de espera passa, as coisas ainda estão pairando pelo ar.


A MELHOR ONDA — US$ 50.000
Às vezes, Grant “Twiggy” Baker se pergunta se está passando um bom exemplo. Ele não se preocupava com isso antes de ganhar 50 mil dólares desafiando a morte na Melhor Onda do Ano, em Maverick’s, no ano passado. Mas dinheiro deixa as pessoas loucas. Agora ele precisa pensar nas crianças que estão assistindo.

É o seguinte: qualquer um que entra no surf de ondas grandes pela grana provavelmente merece ser afogado pelo oceano de qualquer maneira. A relação risco-recompensa nem existe e quem acredita mesmo na modalidade nem se importa com isso. Eles o fariam de qualquer jeito. A maioria está fazendo.

Isso que é legal a respeito do XXL. Na cerimônia de premiação anual em Orange County, o cheque gigantesco nunca impressiona muito após todas aquelas ondas sinistras no telão. Shane Dorian, Greg e Rusty Long, Ramon Navarro, Laird. Os mesmos nomes aparecem ano após ano. Sentam na mesma mesa como se fosse um lineup qualquer, em humilde reverência a seus amigos surfistas e ao poder do oceano. De Greg Noll em Waimea a Mike Parsons e Brad Gerlach em Cortes Bank, “a maior da história” sempre foi a melhor recompensa. Melhor do que qualquer foto em página dupla ou cerimônia de premiação, esses caras fazem isso para marcar a história.

E porque são loucos.

Quando “maior” ainda era o único critério para a grana, o processo de julgamento às vezes ficava um pouco estranho. Um conselho questionável formado por nerds de ondas grandes — editores de fotografia, jornalistas, pilotos de jet-ski e Mike Parsons — juntava-se ao redor das fotos com réguas e compassos para discutir metros e centímetros de morras em Belharra e lajes em Teahupoo. Mas desde a mudança para a “Melhor Onda”, juízes usam as mesmas ferramentas que os surfistas: culhões.

É muito melhor que apenas a maior onda”, diz Twiggy. “Mas eu realmente pensei que Dorian ia ganhar por causa disso”.

Se fossem um prato, filmes de ondas grandes seriam salada de batata. Novocaína pura. É como assistir às 500 Milhas de Indianápolis no seu laptop. Mostre logo as batidas, não? Uma seleção daquilo de melhor no ano — a maior série do maior dia no maior pico — e isso é melhor do que uma perseguição policial sangrenta.

Essa é uma premiação em que podemos soltar nossa maldosa natureza humana. Sentir o sangue escorrer pela cara. Hummmm, perigo.

A cada ano, um lunático sortudo recebe o suficiente para mandar seu jet-ski para a revisão e pagar algumas dívidas do cartão de crédito. 50 mil dólares vão embora rápido quando você ganha a vida se jogando em ondas de 100 pés. Enquanto isso, a “Vaca do Ano” leva uma placa que vale míseros 9,99 dólares. Também vai embora rápido.

Quando o espetáculo termina, os guerreiros de ondas grandes simplesmente voltam ao que são. Surfistas durangos ordinários, descendo arranha-céus em algum lugar a anos-luz de Orange County.

Nos maiores dias”, afirma Twiggy. “É só você e a onda. Eu não penso em dinheiro algum”.


MELHOR SEÇÃO DE VÍDEO
Josh Kerr saiu do Dream Tour para se concentrar em seu blog. Soa como maluquice, não? Mas é nesse ponto de esquisitice que as coisas chegaram.

Quando eu era mais novo, não prestávamos atenção nos resultados das pessoas no Tour”, lembra Kerr. “O que realmente importava eram as mais novas seções de vídeo. Eu não queria apenas fazer um vídeo biográfico depois dos 30 anos”.

Além de um blog ativo e um vídeo a estrear, Kerr tem alguns registros na competição da Airstrike e venceu uma rodada classificatória do projeto Innersection, de Taylor Steele. Ao invés de mais uma desanimadora rodada de 9º e 17º lugares, Kerr está consolidando um ano nas telas de computadores e prateleiras de filmes de surf. Levantando uma nova geração de Kerr-azy slides e Keer-upt flips. Não chame isso de marca registrada.

De todas as recompensas pendentes, Innersection é, provavelmente, a mais sofisticada. No lugar de um único momento de glória, Innersection demanda atenção plena de um surfista: três minutos de filmagens originais e bem editadas. Aéreos. Tubos. Manobras. Tamanho. Música. Estilo. Destinos. O pacote completo.

Quatro vezes por ano, algumas dúzias de surfistas profissionais postam seu melhor no site de Steele e — diferentemente do XXL e Kustom — deixam surfistas comuns definirem seus destinos.

Isso tem rendido resultados interessantes. O guerreiro de água fria canadense Peter Devries. Nate Tyler, natural do meio da costa californiana. O garoto perdido de Maui, Matt Meola. O aventureiro neozelandês Luke Cederman. “São caras que eu talvez nunca tivesse colocado num vídeo”, diz Steele. “Mas com certeza o merecem. E essa é a idéia”.

Só não vá chamar o projeto de American Idol do surf. O elenco de Innersection não é exatamente tão aberto quanto parece. De promessas como Craig Anderson e Clay Marzo a talentos já estabelecidos, como Cory Lopez e Ozzy Wright, as listas de Top 10 do Innersection já rejeitaram WCTeiros e freesurfers o suficiente para botar medo no coração dos tops. Trabalho duro distingue os classificados. Surfistas precisam achar um videomaker, juntar filmagens, escolher uma música e até fazer propaganda de suas seções. Isso constrói um currículo melhor do que só esperar que algum videomaker capte as melhores imagens.

Além da bolada de 100 mil dólares, no evento de Steele, surfistas estão competindo, aparentemente, por um lugar na história. De Momentum a Stranger Than Fiction, por muito tempo os filmes do californiano têm elevado o nível do surf performance. Agora ele está usando a conectividade da internet com motivação em DINHEIRO para alimentar sua programação.

Ou está simplesmente obrigando os surfistas a fazerem todo o trabalho por ele.

Não estamos obrigando ninguém a fazer nada”, diz Steele. “A grana está lá para levar. E para todos os outros, essa é uma chance de trabalhar e fazer parte de algo divertido e diferente. Até quem filma e assiste. A questão não é o dinheiro. É o surf”.

No lugar de se perguntar o que faria por um milhão de dólares, pergunte o que você faria se dinheiro não fosse problema. Surfaria o dia inteiro. Moraria na praia. Passaria o tempo todo com seus amigos e nunca trabalharia de novo.

No final, todos só querem continuar surfando. Todas essas recompensas, prêmios e competições não passam de uma desculpa para ficar na água. Justificativas para a nossa pequena “indústria”, para não termos que arranjar trabalhos de verdade ou colocar aspas na palavra freesurfer.

Certo, as apostas estão mais altas. Um bônus de 100 mil dólares no US Open. Uma premiação de 500 mil dólares no Rio. Um milhão de dólares na Tríplice Coroa. Ainda não é nada comparado a esportes “de verdade”, como golf e corrida de automóveis, mas, aos poucos, mais e mais pessoas estão ganhando a vida fazendo aquilo que amam.

E é assim que o gratuito é pago.