Tradicional × Inovador


O equipamento que os melhores atletas de vários esportes estão usando, muitas vezes não é adequado para uma pessoa comum. Se olharmos para o tênis, muitos profissionais jogam com cordas mais tensionadas e raquetes menores do que aquelas que um jogador casual usa. Similarmente, as pranchas que surfistas profissionais escolhem provavelmente não servem para a população geral”. Nem é um discurso assim tão desconhecido, mas parece que pouca gente tem coragem de admitir as próprias limitações e começar a adaptar seu equipamento.

Um certo careca cheio de títulos mundiais disse isso em uma matéria que escreveu sobre pranchas e nela comentou sobre idéias, medidas e suas escolhas peculiares. É bastante óbvio que, com a velocidade do surf de alta performance hoje, não é mais necessário termos todo aquele bico sobrando na parte da frente da prancha. Uma prancha 6’0”, por exemplo, pode facilmente ser substituída por uma 5’10” sem perder muito suas características na prática. No caso dos surfistas por amor, faz muito pouco sentido se basear nas medidas pré-estabelecidas pelos moldes competitivos na hora de escolher o equipamento. Já na área dos profissionais, cada vez faz mais sentido ir para o lado de quem faz só porque gosta. Estamos vendo uma grande busca por alternativas e adaptando nosso equipamento a uma nova abordagem técnica, mas esbarramos no critério competitivo que algumas vezes limita um pouco certos detalhes.

Mesmo assim temos exemplos de que um equipamento diferente do tradicional pode dar resultados no ambiente competitivo. Foi bastante clara a diferença entre Dane Reynolds e os demais atletas naquela etapa do WT de Trestles no ano passado e Kelly Slater vem arrebentando com pranchas menores. Talvez esses sejam os maiores nomes que vêm experimentando e obtendo resultados substanciais. Kelly Slater em Pipeline e Dane Reynolds na Califórnia, em 2009, foram os highlights dessa nova abordagem na minha opinião. Na etapa da Gold Coast desse ano, alguns atletas estavam usando pranchas menores do que usariam há 5 temporadas naquelas condições e não ficaria surpreso se nos próximos anos esse número caísse ainda mais. Snapper é uma onda rápida, cavada, e que corre bastante, deixando difícil entrar e sair do “pocket” manobrando forte. Com uma prancha menor, fica muito mais fácil se encaixar nesse espaço curto e conseguir ser mais radical, situação ideal para experimentar e aplicar a teoria das pranchas menores de alta performance. Ano passado, na Gold Coast, Kelly estava usando uma 5’10” ao invés de sua habitual 6’1” e bastante gente, inclusive ele mesmo, acharam isso uma grande mudança. Agora ele está com uma 5’4” quadriquilha. (Entre outras coisas, sem quilha, com canaletas e buracos no fundo, que só aparecem quando desmontam o palanque).

Muita gente ainda torce o nariz, mas é uma questão de tempo para os mais céticos aceitarem que o surf está caminhando para um lado mais agressivo, veloz e radical utilizando pranchas de tamanho reduzido. É claro que nem todos os atletas conseguem adaptar seu surf a esse tipo de material e uma polegada a menos os deixaria em desvantagem. Mas aqueles que têm condições estão variando seu quiver pela indiscutível melhora na performance. Na década de setenta, era comum vermos atletas usando pranchas shapeadas por eles mesmos e colocando à prova suas idéias dentro d’água contra os melhores do mundo. Alguns, mesmo usando pranchas de shapers já consagrados, confiavam em diferentes modelos e sets de quilhas. “Em dias pequenos, uso biquilhas; de quatro a oito pés, triquilhas e em qualquer coisa acima de oito pés, uso monoquilhas”, dizia Shaun Tomson, sem dúvida longe da realidade atual.

Será que o critério de competição engessou a evolução das pranchas e, conseqüentemente, do surf de modo geral? Onde estaríamos hoje se essa criatividade de outrora continuasse a fluir livremente? É claro que a psicodélica década de 70 trouxe mudanças e expandiu horizontes em diversas áreas e é natural uma desaceleração na seqüência. Na minha opinião, a próxima revolução das pranchas só acontecerá quando sairmos do mar e formos para o cloro das piscinas. Sem subjetividade, sem alterações na pista, poderemos aferir resultados com precisão e desenvolver de forma cirúrgica uma prancha que funcione baseada em fatos concretos. O que fazemos hoje é mais ou menos desenvolver carros de Fórmula 1 numa pista de rally. Com piscinas de ondas de verdade, a história vai mudar. Agora, voltando a realidade... não há duvidas de que não há muito espaço no formato competitivo atual para experimentos ou demonstrações de caminhos alternativos. Vemos uma tentativa sincera de mudança no circuito e podemos caminhar para frente se continuarmos experimentando e colocando em prática novas idéias. Resta saber se o critério irá evoluir e chegar pelo menos no mesmo nível do surf atual. Ainda falta um longo caminho para o julgamento acompanhar o que está acontecendo hoje e só atitudes firmes podem nos tirar do comodismo.

Já faz tempo que os surfistas têm que desenvolver duas habilidades diferentes: surfar e competir. Já aqueles que só se preocupam em surfar melhor e se divertir mais, sabem muito bem (e sabiam muito antes dos tops mundiais) que uma gordinha ou aquela coisinha esquisita faz uma diferença danada. O surf é mesmo especial. Os profissionais usam o que os “mortais” não deveriam usar.

E os “mortais” usam o que os profissionais não deveriam usar. Mas agora parece que esses dois mundos estão se comunicando.