13 perguntas para... Larry Bertlemann

LARRY BERTLEMANN FOI O KELLY SLATER DOS ANOS 70. A DIFERENÇA É QUE, AO CONTRÁRIO DO ENEACAMPEÃO MUNDIAL, NÃO FICOU PREOCUPADO EM VENDER UMA IMAGEM POLITICAMENTE CORRETA. DETONANDO NAS BALADAS COMO UM “ASTRO DO ROCK”, GASTANTO DINHEIRO COMO UM “ASTRO DO CINEMA” E MANDANDNO VER NA MULHERADA COMO UM “ASTRO PORNÔ”, ELE VIVEU A MILHÃO E TERMINOU NA CADEIA. AOS 54 ANOS E DE VOLTA À LIBERDADE, O “HOMEM-BORRACHA”, APELIDO QUE GANHOU DEVIDO ÀS MANOBRAS IMPOSSIVEIS QUE COMPLETAVA, AFIRMA QUE UMA COISA ELENUNCA PERDEU: O SORRISO.

01. VOCÊ ERA CHAMADO DE “HOMEM-BORRACHA” NOS ANOS 70 POR CAUSA DE SEU SURF FUTURÍSTICO. COMO VOCÊ COMPARARIA O QUE ESTAVA FAZENDO SOBRE UMA PRANCHA COM O RESTO DOS SURFISTAS DAQUELA ÉPOCA?
Quando eu comecei a surfar, a maioria dos caras fazia aqueles cutbacks longos e lentos. Na verdade, eu comecei na transição para as pranchinhas. Eu arrumei uma 9’6” velha e partida ao meio, coloquei uma quilha numa extremidade e comecei a surfar com aquilo. Eu surfava com qualquer coisa que aparecia, até prancha de isopor. Mas eu sentia que tudo que aparecia era muito flat e muito duro de surfar. Por isso eu precisava mudar as quilhas de lugar, coloca-las mais atrás da prancha para poder usar as bordas quando surfava. Todo mundo baseava seu surf na rabeta, enquanto eu usava as bordas. Eu estava tentando fazer manobras bem mais curtas, manobrando mais no crítico com arcos bem mais reduzidos. A galera fazia essas linhas longas e arcos bem abertos, o que pra mim parecia uma merda.

02. E DE ONDE VINHA A INSPIRAÇÃO PARA CRIAR MANOBRAS NUNCA ANTES FEITAS?
Da minha cabeça. É o que eu sempre falo, tudo depende da visualização. Uma vez que você se imaginava executando uma manobra, basta ir lá e tentar até completar. A visualização é a parte mais difícil. Minha inspiração vinha de tudo, de artes marciais, do motocross, dos filmes. Claro que eu gostava de vários surfistas e tentava pegar um elemento de cada um aqui e ali, mas eu nunca parei e pensei: “Quero fazer o que aquele cara está fazendo”. Minha inspiração para criar coisas novas vinha de tudo menos do surf, porque eu já fazia tudo que existia no surf daquele tempo. Tinha que buscar algo fora do nosso meio para poder enxergar mais além. Eu me lembro bem do primeiro aéreo. Estava em V-Land e disse: “Eu vou completar um vôo e voltar para a onda”. E todo mundo me disse que eu estava louco, que era algo impossível. Um ano depois lá estava eu, no mesmo pico, mandando um aéreo, que inclusive foi capa de algumas revistas da época.

03. FALE DA SUA RELAÇÃO COM O SHAPER BEN AIPA. QUAL A IMPORTÂNCIA DELE EM SUA CARREIRA?
Quando eu era moleque, eu passava todos os dias na frente da loja do Ben a caminho da escola. Na volta eu sempre ficava ali absorvendo toda aquela vibesurf que o lugar tinha. Eu era apenas um garoto, e eles não conseguiam me manter longe de lá. E com o tempo ele começou a me dar umas pranchas e nosso relacionamento shaper/surfista começou. Foi algo muito importante para mim, uma necessidade mesmo. Eu precisava de alguém com visão para produzir pranchas que me possibilitassem fazer o que eu queria numa onda. Eu precisava de um equipamento diferenciado e Ben foi o cara que soube produzir esse equipamento. Eu aprendi muito com ele, sobre fundos, bordas e outlines. Eu insistia tanto em certas coisas, que só para provar que eu estava errado, ele me fazia shapear junto com ele. Nós dois shapeávamos juntos, uma prancha cada um. Ele fazia do jeito que ele acreditava que iria funcionar para mim, e eu shapeava da maneira que eu achava que funcionaria melhor. Na maioria das vezes, as que Ben fazia eram melhores. Nós criamos a rabeta swallow, que muita gente usa até hoje.

04. MUDANDO DE ASSUNTO, NOS ANOS 70 VOCÊ ERA UM NOME ESTABELECIDO ENTRE OS SURFISTAS PROFISSIONAIS, MAS NUNCA PARECEU SE IMPORTAR COM AS COMPETIÇÕES. POR QUÊ?
Eu me preocupava muito mais com o público do que em me prostituir para cinco juízes. E queria impressionar a galera na praia. Se tem 10 mil pessoas na praia, quem se importa com a opinião de cinco caras? Eu não estava nem aí. E ainda hoje tem gente que vem me dizer que lembra de uma manobra que eu mandei em um campeonato décadas atrás, eles dizem: “Você não ganhou, mas eu ainda me lembro daquela manobra”. E isso é o que importa. Os cinco juízes não lembram de porra nenhuma. Foi mal Jack (Shipley, conhecido juiz havaiano da época), mas essa é a verdade.

05. VOCÊ NÃO TINHA SUCESSO COMPETITIVO, MAS AINDA ERA UM DOS SURFISTAS COM MELHOR PATROCÍNIO. OU SEJA, VOCÊ ERA PAGO POR SUA IMAGEM MAIS DO QUE POR SEUS RESULTADOS. VOCÊ DIRIA QUE NESSE SENTIDO FOI UM DOS PRIMEIROS FREESURFERS PROFISSIONAIS?
Meus patrocinadores sempre me disseram que não importava se eu vencesse, contanto que as pessoas soubessem que eu estava lá. E a galera era interessada em mim, eu tinha uma cabeleira afro, chegava na praia cheio de estilo. Todo mundo queria saber o que eu estava vestindo, que carro eu estava dirigindo, o que eu estava fazendo. Foi por isso que eu consegui um patrocínio com a Toyota e com a United Airlines. Ninguém tinha aquilo na época, eu consegui trazer o surf para o “mainstream”.

06. E COMO OS OUTROS SURFISTAS VIAM AQUILO?
Na época os “soulsurfers” eram contra aquele comercialismo. A galera dizia que eu estava me vendendo. Mas eu não via a coisa dessa maneira. O que eu queria era trazer mais dinheiro para o surf, para que os moleques do futuro pudessem viver do surf. E hoje eles podem, basta ver os contratos milionários que os Tops têm atualmente. Então eu me sinto como parte de onde o surf está hoje. Eu pensava muito naquilo, em como dar retorno para os patrocinadores. Aliás, aquela foto com o Rolls Royce branco foi minha idéia.

07. VOCÊ FALOU MUITO DE EXPERIMENTAR NOVOS DESIGNS NA SUA ÉPOCA. ACREDITA QUE SE TIVESSE, NOS ANOS 70, O EQUIPAMENTO DE HOJE, SEU SURF SERIA DIFERENTE?
Com certeza absoluta. O ideal seria que cada prancha do seu quiver e comportasse exatamente da mesma maneira. Da 5’11” a sua gun 9’6”, todas deveriam ter o mesmo feeling, só que em ondas diferentes. Ou seja, sua gunzeira deveria se comportar da mesma forma numa morra, como sua merrequeira numa onda de 2 pés. Esse seria o quiver ideal. Basta pensar nas pranchas que você está usando. Uma vez em Sunset, por exemplo, o mar estava crescendo e eu parti minha 8’0”. Corri e peguei a única reserva que eu tinha, que era uma 7’8”. Com séries cada vez maiores, minha prancha estava escapando na cavada. O que fiz? Fiz uns riscos perpendiculares com parafina no fundo e também passei um pouco nas quilhas. Por quê? Para brecar a prancha. Uma vez que ela ia mais devagar, eu conseguia virar na base. Isso é pensar no seu equipamento. Se ela corre muito pra frente, você não vira. Ma prancha mais lenta é mais fácil de virar na base. Viu como eu era bom em imaginar essas coisas?

08. E QUEM SÃO SEUS SURFISTAS PREDILETOS DE TODOS OS TEMPOS?
São os caras que me influenciaram quando eu era moleque. Caras como Jeff Hakman, Jimmy Lucas e Gerry Lopez. Mas em questão de influência, eu digo sempre uma coisa: quando você idolatra muito uma pessoa, você a coloca num pedestal e acaba se colocando para baixo. Você tem que ser você mesmo, não copie ninguém, deixe que os outros te copiem. Foi isso que eu fiz. Simples.

09. QUANDO VOCÊ COMEÇOU A SHAPEAR PRA VALER?
Quando eu comecei meu trabalho com o Ben, tinha um glasser chamado Greg na fábrica. Um dia cheguei lá com Dane Kealoha e ele sugeriu que eu começasse a shapear, já que eu vivia dando palpites sobre as pranchas que eles faziam na fábrica. Eu destruí uns 5 blocos até começar a pegar o jeito da coisa. Com o tempo, elas começaram a ficar funcionais e eu fui obrigado a surfar com elas. Eu gostaria de ter guardado algumas delas. Elas valeriam uma grana hoje. Outro dia alguém me disse que vendeu uma delas por 10 mil dólares! Por 35 mil eu teria shapeado uma novinha!

10. MAS SUA OCUPAÇÃO PRINCIPAL ATUALMENTE É PRODUZIR PRANCHAS, CERTO?
Sim, estou tentando trazer minhas pranchas de volta ao mercado. Tenho shapers na costa leste dos EUA, Japão e Europa, e eu mesmo as faço aqui no Hawaii. Ou seja, as que são feitas no Hawaii valem mais. Também terei em breve um modelo de epóxi sendo lançado. Todas as que faço são produzidas a mão. Eu nunca surfaria numa prancha que não tenha sido feita por alguém que surfa, porque se o shaper não surfa como ele pode saber o que está fazendo? Eu vejo um monte de gente comprando essas pranchas feitas em molde, e elas servem um certo propósito. Mas se você quer um produto que seja fruto de um extenso conhecimento de surf e do oceano, você tem que usar um shaper de verdade.

11. QUANDO VOCÊ FALA QUE DETONAVA NA BALADA, QUER DIZER QUE PEGAVA PESADO NAS DROGAS?
No começo nem tanto, especialmente quando estava nos campeonatos. Claro que eu experimentava de tudo e tomava ácido com certa regularidade, como todos daquela época. Mas só fui ver o lado negro das drogas anos mais tarde. No final dos anos 90 caí pesado na cocaína e no ice, e passei um período difícil. Não conseguia ficar sem me drogar, e sabia que aquilo estava me consumindo.

12. FOI NESSA ÉPOCA QUE VOCÊ TEVE PROBLEMAS NAS COSTAS?
Foi. Parece que tudo de ruim vem de uma vez só, não é? Eu fiquei paralisado, de cadeira-de-rodas. O que aconteceu foi que duas vértebras saíram do lugar e esmagaram alguns nervos. Da noite para o dia eu não conseguia nem mais andar. Foi foda. Eles me operaram duas vezes, fizeram um buraco enorme no meu pescoço. Hoje já melhorei muito, mas ainda sinto dores se ficar em pé muito tempo e para caminhar. E dois anos atrás eu tive um aneurisma e fui operado no cérebro. Mas no dia seguinte já estava em casa. Eles não conseguem me segurar nos hospitais por muito tempo.

13. E VOCÊ ACREDITA QUE IRÁ VOLTAR A SURFAR?
Sei que vai ser difícil, mas eu acredito que sim. Fodam-se os médicos e suas opiniões pessimistas! Eu vivo, respiro, como e durmo surf, 24 horas por dia. Já fui um dos melhores do mundo. Então claro que para mim é muito difícil chegar na praia e ver a galera surfando, porque eu gostaria muito de estar lá no outside. Por outro lado, eu já peguei tanta onda nessa vida, que às vezes eu acho que eu já ultrapassei a minha cota. Mas sempre é bom voltar ao oceano.