Da Guarda para o mundo


Era agosto de 2008, em Asu, Indonésia, quando subiram no barco atracado no canal. O pôr-do-sol coloria as nuvens que se aproximavam rapidamente e os sorrisos estampados de orelha a orelha não deixavam dúvidas de que a sessão tinha sido das boas. A previsão acusava a chegada de uma forte tempestade durante a noite, por isso ao invés de atracar no píer em frente ao surf camp, decidiram tirar o barco da água. “Um, dois, três, vai, empurra galera!”. E assim o bote de fibra subia areia acima, um metro de cada vez. Ricardo dos Santos parou, colocou as mãos nas costas e disse: “me machuquei”. Ninguém deu muita atenção ao integrante mais jovem da trip (que por sinal era também o melhor surfista da barca) e foram direto pro jantar. Nos dias seguintes ficou claro que algo sério havia ocorrido com o catarinense: da noite pro dia, Ricardinho já não surfava tão bem. Quando não caía da prancha, surfava travado. Torso reto, borda atolada, rasgadas lentas. Aquele não era o moleque que humilhara dias antes dropando bombas de 10 pés de base trocada. Uma semana depois e ele já nem conseguia surfar. Só pegava no sono quando a dor dava uma trégua depois de um punhado de Tylenols.

Rebobine a fita um ano. Ricardinho está com tudo. Com apenas 17 anos ele se destaca com um ataque feroz a Pipeline e Teahupoo e explode na mídia. Estampa revistas, sites, TV e se consagra como uma das grandes promessas da nova geração ─ principalmente quando o assunto são ondas de conseqüência. Mas o garoto que saiu da Guarda do Embaú sabia que era só o começo. Ele queria brilhar nas competições e buscar seu espaço no Circuito Mundial. E tudo estava caminhando bem, naturalmente, quase sem esforço. Ele contava com um patrocínio sólido da Billabong e vencera os melhores do mundo no Pro Junior do Chile, no começo de 2008.

E agora, em plena ascensão, uma lesão nas costas o impedia de surfar. Mas a decisão de parar e se tratar, especialmente para um atleta de 18 anos, não era fácil. Não agora, que seus sonhos se materializavam. Na face do dilema, ele decidiu esquecer a dor e continuar. Na base de anti-inflamatórios e analgésicos, foi para o Hawaii ─ onde teve uma temporada apagada. De lá, partiu diretamente para a Austrália, onde perdeu de cara no Mundial Pro Junior. Ricardo já via que seu surf não era o mesmo e que os remédios nada resolviam.

De volta ao Brasil, ele percebeu que chegara numa encruzilhada. Ou se tratava, ou desistia de seus sonhos. Ele nem cogitou a segunda opção, mesmo sabendo que o caminho seria longo. O diagnóstico acusava uma séria inflamação de disco que o deixaria fora de ação por meses.

Mas adversidades não são novidade em sua vida. Ricardo nunca conheceu o pai e cresceu vendo sua mãe se desdobrar para dar sustento a ele e seus dois irmãos mais novos. E da mesma forma que chamou a responsabilidade de ajudar e manter unida sua família assim que recebeu o primeiro salário, Ricardinho está encarando de frente esse novo desafio. E garante: “Voltarei mais forte do que nunca”.