UM NOVO TOUR?

Depois de fazer a diferença dentro d'água, desde o início da década de 90, quando apareceu com um surf extremamente rápido, moderno e consistente nos campeonatos, liderando inclusive uma ditadura velada de pranchas estreitas e finas de espessura que durou uns 15 anos, Kelly Slater agora quer fazer a diferença também fora d'água.

Ele está por trás de um outro circuito mundial de surf que foi chamado por um jornal australiano de "Reber Surf Tour", veículo que também chama de "grupo rebelde" o trio formado pelo americano nove vezes campeão do mundo, o seu empresário, Terry Hardy, e um ex-promoter de boxe, Matt Tinley.

Esse circuito seria formado por 16 surfistas, sendo oito permanentes (os mais famosos? os mais bem rankeados na ASP? escolhidos pelo Kelly?) e oito convidados (convidados por quem?). De cara fica claro a característica bem elitista da idéia. Se por um lado podemos apostar na escolha de surfistas espetaculares, nem sempre eficientes ou pacientes com as ondas e a maratona do WQS, por outro será difícil aceitar o campeão desse circuito como um Campeão Mundial de Surf Profissional.

Talvez esse nem seja o intuito da turma "rebelde" e esse circuito possa conviver harmonicamente com o da ASP.

O circuito começaria no segundo semestre de 2010 e seria formado por oito etapas realizadas em cinco meses. Aqui estaria atendida uma reinvindicação antiga dos competidores ─ que o surf profissional tivesse um calendário parecido com outros esportes, como futebol americano, que tem pré-temporada e temporada formada por cinco a seis meses por ano, no máximo. Os surfistas profissionais de ponta sempre reclamavam muito da falta de "férias", da falta de um período que pudessem ficar com a família, sem viagens e compromissos competitivos profissionais. O circuito sempre terminou dias antes do Natal e, menos de dois meses depois, no final de fevereiro, já estavam todos reunidos compulsóriamente para a primeira etapa do ano seguinte.

Por último, e mais importante, com um pré-acordo já assinado com a rede esportiva de TV por assinatura ESPN e consequente maior exposição garantida às empresas que aderirem, as oito etapas distribuiriam um total de US$ 12 milhões de premiação, aproximadamente R$ 24 milhões. Isso dá US$ 1,5 milhão de premiação por etapa, dividido entre 16 competidores. Uma média de US$ 93.750 para cada atleta em cada etapa, se a premiação fosse dividida igualmente por todos. No World Tour, organizado pela ASP, cada etapa distribui atualmente US$ 340 mil. Essa premiação, que é 4,4 vezes menor, ainda é dividida por três vezes mais atletas. Cada um dos 48 competidores do WT da ASP ficam com uma média de US$ 7.083 em cada etapa.

A diferença de premiação média para cada competidor, quase 13,5 vezes maior, seria gritante. Surfistas espetaculares ao redor do planeta devem estar sendo bombardeados por uma explosão de luz brilhante invadindo a perspectiva de sua carreira. Uns abandonaram o tour precocemente, pois chegaram à conclusão de que não tinham paciência nem aptidão para ficar trocando de aeroporto dez meses por ano. Alguns nem tentaram. Outros se aposentaram depois de anos, pelo simples cansaço da rotina que não mudava, mas ainda têm surf no pé para fazer frente a qualquer um em ondas fortes e de qualidade.

Querem vários exemplos? Jamie O'Brien, Andy e Bruce Irons, Shane Dorian, Bruno Santos, David Rastovich, Manoa Drollet, Rob Machado... Sem falar em alguns surfistas especiais da nova geração que poderiam fazer um voo sem escala pela ASP, aterrizando direto no circuito rebelde, como Clay Marzo, Pablo Paulino, Owen Wright, Ry Craike, Julian Wilson, Kai Borger...

Ainda com relação aos possíveis candidatos, aí vai mais um palpite "de cocheira" ─ o brasileiro Heitor Alves me contou na semana passada que o Kelly Slater disse a ele, recentemente, que o surf dele era inspirador, que tinha vontade de treiná-lo e de "trabalhar" com ele. Coincidentemente, Heitor foi um dos poucos e ilustres convidados do WPS All Star Expression Session, que aconteceu antes da final do WQS Hurley US Open, no final do mês de julho em Huntington Beach, Califórnia. E Rob Machado, um dos principais conselheiros desse WQS cheio de eventos diferentes, é um dos melhores amigos de Slater. O convite ao Heitor também incluía um quarto exclusivo no hotel em frente ao píer durante o evento (um luxo naquela área caótica e problemática), uma mochila de "boas-vindas" na cama do quarto com um MacBook Pro (a BMW dos lap tops) entre os vários brindes, e um jantar classudo com a nata da elite e os melhores amigos do "homem" ─ Shane Dorian, o videomaker Taylor Steele, o músico Jack Johnson... claro, o transporte entre o hotel e o restaurante foi feito em duas limusines enormes.

Bom, até aqui as notícias no campo das especulações.

A seguir, neste fim de texto, minhas opiniões.

A principal queixa do Kelly Slater seria a incapacidade da ASP para promover o surf e os surfistas a um outro patamar capaz de atrair o público de massa e patrocinadores corporativos.

Primeiro, não sei se gostaria de ver o surf tão popular quanto o futebol brasileiro ou o basquete americano. Acho que o surf em seus vários aspectos teria mais a perder do que ganhar.

Segundo, mesmo concordando que 16 surfistas espetaculares junto com a garantia de excelente exposição por uma rede de TV esportiva mais uma premiação alta devem gerar um interesse maior do que o circuito que está aí, não sei se será suficiente para atrair grandes corporações que fiquem envolvidas depois que a novidade se tornar um padrão.

Terceiro, a única "novidade" no formato de julgamento que eu soube é que o aéreo (e suas variações) será um tipo de manobra obrigatória para os competidores receberem uma nota 10 perfeita. Ótimo para nós surfistas, mas só isso não será suficiente para atrair o grande público. O julgamento continuará subjetivo e o grande público continuará sem entender a diferença entre um 7,35 e um 8,80. Vai continuar sem entender também toda essa história de "cortar o menor e o maior juiz", a "soma das duas melhores ondas", ou seria "a soma das duas melhores notas"? Ou é a mesma coisa?

Ouvi falar também que teria uma pontuação específica para cada manobra específica, mas mesmo assim um aéreo será um pouco mais alto ou um pouco mais invertido ou um pouco mais difícil de aterrizar... E por aí vai.

Os principais esportes de massa são preto no branco. No futebol é bola na rede. No tênis e no vôlei é bola na quadra dentro das quatro linhas. No automobilismo é quem cruzar a linha primeiro. No basquete é bola na cesta. Até no futebol americano, no rugby e no beisebol, que são um pouco mais complexos, tem linha para cruzar, base para ganhar com os pés ou rebater com um taco aquela bolinha dura no meio da arquibancada.

Bom, vamos ver aonde essa possibilidade vai nos levar.

Mexer nas estruturas é sempre bom.

Que o surf evolua sem perder o estilo.