Perfil: Sergio Laus

O cabelo loiro estilo "tigela", os olhos claros e a cara de garoto de Serginho Laus, 29 anos, coincidentemente lembram o ator André de Biase (à época com 24 anos) no clássico do cinema brasileiro "Menino do Rio", produzido em 1981 pelo diretor Antonio Calmon ─ sobre um romance vivido entre um jovem surfista e uma garota da alta sociedade carioca. No entanto, a história desse paranaense, de fala mansa e jeito tranqüilo, nada tem a ver com o filme.

Na última década, Laus construiu uma trajetória cheia de desafios, surpresas, aventuras e até riscos de morte, marcada principalmente por conquistas inéditas e significativas num universo até então inexplorado, que lhe conferiram o status de maior especialista mundial em ondas de rio ─ ou "Tibal Bores", como o fenômeno também é conhecido ─ pela comunidade internacional de "bore riders" (surfistas de Pororoca). Há oito anos, Serginho dedica tempo, dinheiro e muita disposição para entender o funcionamento deste espetáculo da natureza tão encantador quanto destruidor, que ocorre nos Estados do Amapá, Pará e Maranhão, no Brasil, e em vários outros países. Em 2006, Laus publicou pela Ediouro o livro "Pororoca ─ Surfando na Selva", um relato sobre tudo o que viveu até então explorando a mítica onda de rio da Amazônia.

Casado há sete anos com Ana Carolina Pássaro e pai da pequena Marié (que em língua indígena significa "rio do fruto", nome de um dos afluentes do Amazonas), de quase 3 anos, Sergio Laus nasceu em Curitiba, no Paraná, em 26 de novembro de 1979. Filho de Thelma Regina Penetta Laus, de São Paulo, e Sérgio Simões Laus, de Florianópolis, seu início no surf foi incentivado pelo pai. "Passávamos os verões em Balneário Camburiú e foi lá que eu e meu irmão Alexandre, hoje com 26 anos, começamos a pegar ondas. Quando completei 10 anos, ganhei uma prancha de surf Shine, que tenho até hoje", diz Laus.

Aos 17 anos, Serginho começou a competir nos campeonatos amadores do Paraná. "Pouco tempo depois, percebi que o esporte estava meio estagnado e queria fazer alguma coisa para mudar o cenário", conta. O primeiro passo foi criar a Associação de Surf de Monções, praia que ele freqüentava com os amigos do Paraná. Serginho então buscou patrocínios e fez o primeiro campeonato da ASM. O sucesso do evento e os contatos com o mercado o levaram a colaborar com a revista "Hardcore", como correspondente do Paraná. "Cheguei a morar em São Paulo por um ano para trabalhar na redação da revista". Matriculou-se no curso de jornalismo da Faculdade Tuiuti, no Paraná, e entrou de cabeça na profissão. "Faltou cerca de um ano para eu me formar, mas foi no cotidiano de trabalho que acumulei experiência, aprendendo com nomes como Reinaldo Andraus, Edinho Leite, Alceu Toledo Junior e João Carvalho". Serginho foi sócio-fundador da "Boards", primeira revista de bolso do Paraná, e assessor de imprensa da Federação Paranaense de Surf e da Confederação Brasileira de Surf, entre outras empresas e instituições. Há seis anos ele realiza o boletim das ondas do Estado para a rádio Jovem Pan.


A CAMINHO DA POROROCA
No ano 2000, durante uma viagem para o Farol de Santa Marta, Laus foi convidado para uma surf trip que mudaria para sempre sua vida. "Eu estava com o fotógrafo Fábio Paradise na praia da Cigana e encontramos uma galera do Ceará, entre eles o Duda Carneiro e o Marcelo Tibita. Eles nos chamaram para cobrir uma barca que fariam para surfar as ondas da pororoca. Pouco tempo depois, eu estava dentro de um avião com destino ao Amapá, onde encontraria o grupo". Durante o vôo, Laus começou a ligar os fatos. Lembrou de outra viagem, que fizeram três anos antes, na companhia do fotógrafo James Thisted e dos surfistas profissionais Guga Arruda, Teco Padaratz e Saulo Lira, quando pela primeira vez ouviu falar sobra a pororoca. "No ano de 1997, junto com Eraldo Gueiros, o Guga tinha desbravado a pororoca e estava nos contando sobre as aventuras de surfar uma onda de rio cheia de trocos, plantas, piranhas, jacarés e outros animais, num cenário completamente diferente da praia. Na hora até brinquei, disse que eles eram malucos e que eu jamais faria algo parecido", recorda.

Na chegada a Macapá, ele foi bombardeado com avisos e perguntas: "Diziam pra ter cuidado com as piranhas, com as raias, se tinha tomado a vacina contra febre amarela. A primeira investida foi para a Ilha da Caviana, mas o surf não rendeu. Voltamos a Macapá e procuramos o Detur ─ Departamento de Turismo, para nos ajudar a chegar até o rio Araguari, onde havia uma pororoca maior e mais potente". O governo deu o suporte necessário a eles seguirem viagem. "No primeiro dia deu tudo certo, surfamos a onda por mais de quinze minutos e estávamos em êxtase". No dia seguinte, no entanto, eles tiveram o primeiro encontro com o real poder de destruição da pororoca. "Estávamos começando a surfar a onda quando eu e o Bibita olhamos para o lado e vimos uma lancha virando, a outra quase, os pertences na água, o Paradise afundou com a câmera, enfim, um cenário caótico no meio da selva. A situação era extrema e graças à perícia de Marcio Pinheiro, piloto que está na minha equipe até hoje, conseguimos salvar uma das lanchas e retornamos para nossa base, mas perdemos a outra. As lanchas eram do Batalhão Ambiental e tivemos que fazer Boletim de Ocorrência e prestar depoimentos sobre o incidente, foi aberto inquérito, um transtorno. Voltamos escoltados para Macapá. No fim, entenderam a situação e nos liberaram", relata Serginho sobre a primeira aventura que viveu na selva.

Na época, o paranaense Noélio Sobrinho, fundador e presidente da Abraspo ─ Associação Brasileira de Surf na Pororoca, passou a convidar Laus para participar e ajudar na divulgação dos eventos ligados ao fenômeno. Natural de Belém, Sobrinho foi um dos pioneiros do surf na pororoca, graças à proximidade e facilidade de acesso à onda de São Domingos do Capim, uma das primeiras a serem surfadas na região. “Por conta desses convites, meu envolvimento com a Pororoca foi crescendo. Eu sempre gostei de estar em contato com a natureza, adorava aventura e tinha conhecido uma onda perfeita em plena selva amazônica. Mas fazia isso por instinto. Cerca de três anos depois do primeiro contato, quando percebi o potencial turístico do fenômeno, me dei conta que aquilo poderia ser meu projeto de vida e comecei a ver a pororoca com um olhar mais empreendedor", revela. O faro jornalístico de Laus aliado à rápida e abrangente exposição proporcionada pela internet fez com que suas ações ganhassem o mundo. Sempre que alguém digitava a palavra pororoca no Google, o nome de Sergio Laus aparecia vinculado de alguma forma. "Comecei a organizar grupos para expedições, criei pacotes, fiz parcerias e a coisa deslanchou". No início as expedições eram compostas na maioria por equipes de grandes grupos de mídia internacional, como CNN, BBC de Londres, Discovery Channel, Reuters, a TV5 da França, NHK do Japão, entre outras.

No ano passado, Laus foi procurado por Jean Cousteau, filho do oceanógrafo e pesquisador francês Jacques Cousteau (morto em 1997, aos 87 anos), um dos primeiros estrangeiros a explorar a região amazônica, para dar as coordenadas a uma visita à pororoca. O paranaense também foi chamado para ser consultor e participar da nova campanha publicitária da montadora japonesa Nissan para o modelo X-Limit, cujo tema central foi a pororoca do rio Araguari. A superprodução envolveu mais de 60 pessoas, uma tonelada e meia de equipamentos, três carros vindos do Japão, três grupos de trabalho (brasileiros, japoneses e americanos) e três surfistas: o norte-americano Jon Rose, o japonês Masatoshi Ohno e Sergio Laus, a um custo aproximado de 2 milhões de reais.


O SURF NO RIO
Serginho é categórico ao dizer que o surf na pororoca é praticamente outro esporte. "Na pororoca, a gente nunca sabe o que vai encontrar e a adrenalina é sempre grande. Os bancos de lama mudam de lugar a todo o momento e o cenário parece de guerra, pois ela arrasa tudo por onde passa. Surfar a pororoca é um ritual que deve ser planejado meticulosamente", explica. Graças a exploração do surf na pororoca, as populações ribeirinhas encontraram uma nova forma de subsistência e se desenvolveram mais rapidamente. Segundo Laus, cada expedição conta com uma equipe que pode variar de 10 a 25 pessoas, entre cozinheiros, pilotos, práticos, ajudantes, além dos beneficiados indiretamente no comércio local. "Por outro lado, cada expedição com todas as propriedades abertas, ou seja, condições plenas de explorar ao máximo o fenômeno, custa pelo menos 30 mil reais para uma equipe pequena", completa Laus. Com mais de trinta temporadas na selva, ele possui parceria com a PMAP (Polícia Militar do Amapá) para troca de informações sobre a rota da pororoca, com treinamentos de navegação diante do fenômeno e apoio do Batalhão Ambiental, sempre presente nas expedições.


O RECORDE
Sergio Laus é o atual detentor do recorde de permanência em onda de rio pelo "Guiness Book". Em 2005, ele organizou uma expedição especialmente para esse fim, concluída com sucesso com a marca de 10,1 km percorridos. Entretanto, o recorde foi algo que surgiu por acaso na vida deste apaixonado pelo surf na selva. "Nunca tive pretensões de bater algum tipo de recorde. Sempre buscamos superar nossos limites e ver quem conseguia permanecer por mais tempo na onda, entre amigos. Quando surfamos 16 minutos, em 2000 no Araguari, achamos que era o máximo. Depois atingimos marcas superiores a 30 minutos. Em 2004, recebi a proposta de tentar bater o recorde do inglês David Lawson, que a nove anos detinha o recorde de 9,1 km percorridos na onda do rio Severn, no Reino Unido. Aceitei o desafio e montei toda a estrutura para atender as exigências do 'Guiness'. No dia 24 de junho de 2005, a bordo de um longboard, tive a honra de trazer para o Brasil o recorde mundial de permanência numa onda de maré". Com a quebra do recorde, veio a idéia de escrever um livro sobre as aventuras na pororoca. "Como eu sempre relatei em um gravador minhas experiências, foi fácil reunir os detalhes de nossas peripécias", completa Laus.

O livro "Pororoca ─ Surfando na Selva" traz toda a trajetória de Sergio Laus até o ano de 2006, data da publicação. Entre as inúmeras aventuras relatadas, está a expedição "Surfando na Selva ─ Mascaret", também em 2004, em que Laus e sua equipe desbravaram as ondas de rio da França, onde o fenômeno é conhecido como Mascaret. "O surf na Mascaret é mais tranqüilo, a onda é menor e mais fraca que no Brasil. Mesmo assim passamos um momento de sufoco e quase protagonizamos o primeiro naufrágio no pico", conta Laus. A expedição virou um documentário, chamado "Expedição Mascaret ─ Surfando na Selva", produção de Laus com o cinegrafista Vinicius Sguarezi sobre a primeira equipe brasileira na onda. Além deste, já foram produzidos mais quatro filmes sobre a pororoca com a participação de Serginho: "Long Wave", produção inglesa que marca os 50 anos de surf de maré na Inglaterra; "Le Fils de La Lune", produção francesa com parceria da Thallassa e TV5 que mostra as ondas de maré da França (Mascaret), China (Black Dragon) e Brasil (Pororoca); "Pororoca", produção canadense com os melhores kayaers do mundo; "Poroc Poroc Surfando na Selva", produção brasileira de Laus e Vinicius Sguarezi sobre a pororoca e a Mascaret, que encarta o livro "Pororoca ─ Surfando na selva"; e "Pororoca ─ The longest Wave Ever" (EUA - Japão), produção da agência TBWA do Japão em conjunto com a produtora americana Transition Productions para o comercial e filme documentário da Nissan.


PÂNICO NA SELVA
Ao mesmo tempo em que encanta, a pororoca pode ser extremamente assustadora e perigosa. Serginho já sentiu na pele o poder do fenômeno em situações extremas. Na segunda incursão ao rio Araguari, em 2003, ele e o ex-surfista profissional carioca Ricardo Tatuí decidiram sair remando até uma seção da onda que Laus surfara por mais de 15 minutos no dia anterior. Foram 30 minutos até a bancada de lama, de onde caminharam por mais meia hora até o espumeiro, que segundo Laus mais parecia um tsunami: “a onda tinha uns 3 metros de altura fechando de margem a margem a margem do rio. A visão era assustadora. Mesmo assim o Tatuí remou para o fundo, e na ânsia de surfar aquela onda fui atrás dele. Mas a muralha de água era mais rápida e fomos literalmente atropelados”. O carioca escapou do caldo, mas Laus ficou no núcleo da espuma, sacudindo como um palito de fósforo em uma máquina de lavar. “Foi quase 1 minuto de pânico. Segurei a prancha com todas as minhas forças, mas o fôlego acabou e comecei a engolir água. Até que finalmente consegui sair da avalanche”. Apesar de sobreviver ao tranco, Laus saiu com uma forte dor na região lombar. Depois de passar por um médico, foi constatada uma fratura na apófise lateral direita da L5, coluna lombar. Sua recuperação demorou cinco meses.

Na época, chegou a pensar em abandonar o surf na pororoca. Mas seu destino já estava traçado e o reencontro com o rio aconteceu um ano depois, novamente no Araguari, numa etapa do Circuito Brasileiro. Com o trauma superado, ele avançou na competição e chegou até a final, perdendo para o cearense Adilton Mariano. Antes disso, um episódio quase manchou para sempre a reputação da Pororoca na mídia internacional. Duas equipes estrangeiras que cobriam o evento, da CNN e de uma emissora alemã, estavam de partida. Por volta das 14 horas, eles sairiam de barco até uma fazenda próxima da base do evento, onde pegariam um pequeno avião até Macapá e de lá voariam para os EUA. No meio do caminho, o motor da voadeira que os levava parou, deixando-os à deriva no meio do rio, a poucas horas da chegada da onda. A correnteza levou o barco direto para a foz do Araguari, ponto mais perigoso da pororoca. Enquanto isso, o avião que os levaria até Macapá sobrevoou a área para ver se algo errado havia acontecido. Por sorte, o piloto avistou a voadeira encalhada num imenso banco de lama, prestes a ser engolida nos últimos momentos de luz do dia. Numa tentativa desesperada, escreveu dois bilhetes informando a situação, colocou cada um numa garrafa e passou a dar rasantes na fazenda que servia de base para a expedição, a fim de chamar a atenção dos bombeiros. As duas garrafas foram jogadas sobre a área e uma delas foi encontrada pelo sargento da corporação, que imediatamente organizou o resgate. Perto da meia-noite, quando todos já esperavam o pior, eles retornaram com os jornalistas cobertos de lama e em estado de choque, mas vivos. “Olhei para o repórter da CNN, Harris Withback, e ele fez um sinal de positivo. Vi no olhar dele que a experiência, apesar de aterrorizante, tinha sido uma grande aventura, uma espécie de batizado na floresta amazônica”, recorda Laus.

A situação mais sinistra vivida pelo “rei da pororoca” aconteceu em 2001 na ilha de Marajó, Pará. Na companhia do surfista catarinense Andreas Eduardo e do fotógrafo Motaury Porto, Laus ia competir num campeonato organizado por Noélio Sobrinho na maior ilha fluvial do país. Era a quarta viagem dele à Amazônia. A onda era tão temida que o prático contratado para levar o barco até o local desistiu a poucas horas do destino final, depois de navegar por mais de 30 horas contornando a ilha. “Diziam que a pororoca iria nos matar. Mas o Noélio arrumou um sujeito, bem esquisito, disposto a encarar a missão. Apesar da má impressão, seguimos viagem”. Porém, uma sucessão de imprevistos começou a ditar os rumos. “Na primeira noite, o barco estava amarrado a uma árvore e quase entornou depois que a maré subiu demais em pouco tempo. Na seqüência, um dos jet-skis a bordo pegou fogo próximo aos tanques de combustível, quase causando uma explosão fatal. No dia seguinte, o novo prático também desistiu e tivemos que navegar por duas horas até o ponto em que surfaríamos. Saíamos então em duas lanchas, no meio do nada e sem nenhum equipamento de segurança, rádio, GPS ou sinalizador. Chovia e o cenário era tenebroso. Quando achamos que a pororoca estava chegando, percebemos que era uma miragem. Na verdade, era um enorme banco de lama, e encalhamos poucos minutos antes de a onda verdadeira despontar no horizonte”. O pânico tomou conta de todos, e a pororoca chegou atropelando. Uma das lanchas foi atingida e deixou um grupo isolado na margem do rio, aguardando a outra lancha voltar. Ficaram algumas horas na casa de um caboclo e decidiram sair em busca do barco principal. Depois de algumas tentativas em vão, tiveram que retornar à casa do ribeirinho. “Ficamos os sete amontoados na pequena sala, que tinha uma televisão, um calendário e três redes. Nosso anfitrião preparou um banquete com carne de capivara, feijão e farinha. Nada mal para quem estava faminto, perdido na selva a 40 horas do ponto de partida. Durante a noite, ouvimos o estrondo da pororoca passando, parecia que ia derrubar a casa. No dia seguinte, saímos em mais uma tentativa de encontrar o barco principal, mas acabamos em outra fazenda, onde passamos o resto do dia e mais uma noite frio e sem muita comida, com a gasolina quase no fim. Por várias vezes, pensei em sair pela selva em busca de ajuda”. No terceiro dia, finalmente um barco apareceu para resgatá-los. “A alegria foi geral e o reencontro com o restante da tripulação foi emocionante”, conta. Antes de voltar para a terra firme, o grupo ainda teve o gostinho de surfar a pororoca, pequena e curta, na inóspita região conhecida como “Ninho das Pororocas”.


O DRAGÃO NEGRO
Entre as ondas de rio que ocorrem mundo afora, uma é conhecida como “a onda proibida”. Ou pelo menos era, até Serginho decidir surfá-la. A Black Dragon acontece no rio Quintang, província de Hangzhou, nordeste da China, próximo a cidade de Shangai. O fenômeno de maré é cultuado por milhares de pessoas, que se aglomeram às margens do rio para observar sua passagem. Antes da equipe Surfando na Selva, apenas duas equipes tentaram pegar a onda proibida: ingleses pagaram uma fortuna para o governo chinês, mas naufragaram; e franceses entraram ilegalmente e foram detidos. Era o cenário perfeito para o paranaense, que mais uma vez teria a chance de ser o pioneiro. “Por sorte, conheci um surfista brasileiro chamado Daniel que mora na China há anos. Ele topou ajudar e começou a mexer os pauzinhos. Em São Paulo conheci o deputado Willian Woo, que possui descendência chinesa e também é surfista. Ele conseguiu marcar uma audiência em Brasília com o embaixador da China. Depois de mostrar o projeto e provar que tínhamos capacidade de encarar a onda, começamos a negociar. A primeira barreira foi o custo, que beirava meio milhão de reais na época”, comenta Laus.

As negociações continuaram e os chineses quiseram fazer um intercâmbio para conhecer o Brasil, Serginho recebeu o chefe de esportes aquáticos da China, Wei Xing. O combinado era que depois eles receberiam o grupo brasileiro. “Eu, que sempre odiei política, tive que fazer um trabalho diplomático para conseguir as autorizações”. O resultado foi que eles não só conseguiram as permissões, como tiveram todos os custos bancados pelos chineses, sendo a primeira equipe com autorização oficial e totalmente patrocinada pelo governo para iniciar o surf na Black Dragon. A expedição aconteceu em julho do ano passado. Além da recepção em grande estilo, participaram de jantares com o alto escalão chinês, de reuniões com diversos departamentos do governo e foram destaques na imprensa local. Tudo isso a um mês do início das Olimpíadas. “Sempre nos levavam aos restaurantes mais chiques e serviam pratos bizarros. Para dar uma idéia, um dos melhores foi um filé mignon de Yorkshire ao molho madeira. Isso mesmo, carne de cachorro. E o pior, minha mãe tem um dessa raça. Quando contei ela ficou apavorada. Dizem que na China eles comem tudo o que possui quatro pernas, exceto cadeiras e mesas. Também comemos língua de pato, bambu, fungo de madeira, bolinho de carrapato, ovo podre, entre outras coisas que prefiro nem lembrar”, diverte-se Laus.

Para atacar o Dragão Negro, ele reuniu uma equipe formada pelos pilotos Márcio Pinheiro, do Amapá, e Glauco Vaz, do Maranhão, o big rider paulista Jorge Pacelli, com uma vasta experiência em pilotagem de jet-ski e resgate em ondas extremas, e o amigo e fotógrafo Likoska. “Na pororoca chinesa, toda a margem do rio é concretada para conter a erosão das fortes marés. Com isso o rio possui um formato perigoso, cheio de pedras, Lages e até ferros contorcidos no fundo”, explica. Após uma investida frustrada, eles finalmente conseguiram surfar ondas de até 2 metros de face no rio Quintang. “Foi uma experiência incrível e a concretização de um sonho. Conquistar a confiança do governo chinês não é fácil e temos orgulho de ter deixado nossos nomes marcados para sempre na história daquele país”, completa o paranaense, que este ano pretende realizar outra expedição para surfar o Dragão chinês, Serginho ainda tem planos de explorar as ondas de rios em países como Alaska, Malásia, Índia, Austrália, EUA, Canadá, Suíça, Alemanha entre outros.

As aventuras de Laus na pororoca ganharam as telas do cinema. Ele é um dos surfistas que participam da segunda edição do longa-metragem “Surf Adventures”, de Roberto Moura, e levará o espectador a conhecer o mundo incrivelmente inusitado e peculiar da Pororoca em plena selva amazônica.

Recentemente, Laus recebeu o título de cidadão macapaense por unanimidade na câmara dos vereadores local. A convite do governo do Amapá, ele irá passar parte do ano no Estado, promovendo o surf na pororoca com o objetivo de fomentar o turismo local aliado à expansão do trabalho que realiza como presidente do Instituto Pororoca e na ONG Maré Amazônia, da qual é idealizador e padrinho ─ e que tem como missão promover palestras, ensaios e encontros para ensinar e difundir a consciência ambiental e a divulgação da cultura nativa brasileira, pilares do projeto Surfando na Selva. “Construir uma carreira fora do eixo Rio, São Paulo, Floripa foi uma prova de persistência e força de vontade. Sempre lutei por meus objetivos e dedico tudo o que conquistei à minha esposa, Ana Carolina, minha filha Marie e minha família, amigos e patrocinadores. Tudo o que apareceu na minha vida, especialmente esse contato íntimo com a selva, fez nascer em mim a responsabilidade de proteger a natureza, de preservar a Amazônia através do surf na selva e difundir a consciência ecológica para as próximas gerações. Sei que logo minha filha irá abraçar esta causa também, que é de todos nós”, conclui Serginho. Apesar de carregar nas costas a responsabilidade de um homem, sempre comprometidos com seus valores e ideais, a cara de menino do rio será sempre sua marca registrada.