E mais um pouco

OBS.: Não venho através deste relatar exatamente round por round ou bateria por bateria. Na verdade talvez seja apenas a síntese do simples e feliz relato de uma garota de apenas 17 anos que o mais próximo que esteve do sonho WCT foi quando mais nova resmungava dentro de casa no sul da ilha de Floripa, o fato de não poder ir sozinha assistir a etapa que rolava no leste da ilha, na Praia da Joaquina. E agora depois de anos esteve na Praia da Vila e o que já parecia ser um sonho realizado, surpreendeu-a ainda mais quando seu jeito comunicativo ou até mesmo sua beleza, proporcionou-a um inusitado acesso a uma parte privilegiada para fotografia na qual também é apaixonada, mas principalmente contato com todos os seus ídolos destes seus poucos mais intensos quatro anos de surf.


1. A mudança: Muito embora todos os anos o comentário geral seja de uma possível transferência da etapa brasileira realizada na Praia da Vila em Imbituba - SC para outro pico do nosso litoral, a verdadeira transferência foi muito mais delicada e aparentemente sutil, para os mais atentos totalmente propícia: a transferência foi no calendário. O tour mudaria de estação, de ares, geral atrás de gorros, as meninas sem biquínis e o fim das chances de se decidir o título mundial em terras canarinhas como em outros anos. Mas nada que faça surfistas, admiradores do esporte, enfim, os de bom senso, trocarem a época em que as principais ondulações chegam ao sul do Brasil.

2. As promessas: Tantas mudanças remetem a promessas e como mudanças buscam sempre o melhor, as promessas e suas expectativas pareciam maiores ainda. E de promessas estávamos cheios: eram os grandes swells de inverno, era um bom público devido à época de férias, era a vinda dos grandes competidores. Sem dúvida, possibilidades de encher os olhos de qualquer um e que só seriam realmente confirmadas se não na abertura da etapa, apenas alguns poucos dias antes, valendo lembrar que a data e o local já estavam confirmados e entusiasmando todos até um ano antes. Enfim, era fato, por muitos foi dito "a promessa é de que esta seja a melhor etapa do tour já realizada no Brasil".

3. O sonho: a promessa virando realidade e mais um pouco.


Misture 1, 2 e 3. Agora escolha uma cidade pequena, simpática e organizada com uma praia paradisíaca, de ótimo astral, mar aberto emoldurado por morros, ilhas tão próximas e estrategicamente posicionadas como um capricho da natureza para encantar nossos olhos e claro, ondas, altas ondas. Tempere com Burrows, Slaters, de Souzas, Hobgoods, Fannings... Complemente com cut backs, floaters, batidas e aéreos (só ficaram faltando os tubos). Acrescente um bom público, atencioso e animado. Um marketing, algumas propagandas. Concursos bobos de beleza para não perder o costume. Adicione emoções extras, algumas surpresas. Não se esqueça de uma estrutura consistente e organização. Coloque tudo de baixo de um dia nem tão frio, maravilhoso, ensolarado e sem vento. Curta bastante e entre no astral: foi essa a receita e o clima do WCT Brasil 2009.

O campeonato que deu a largada já no primeiro dia da janela só aconteceu em seu primeiro sábado e domingo, por três dias esteve parado, para voltar com tudo no dia 2 de julho, inaugurando bem o início do mês e as férias de muitos que estavam presentes. Em todos os dias do evento as ondas embora não muito grandes estiveram constantes, a Praia da Vila recebeu um swell no primeiro dia que prolongou-se até o domingo e que teve sua formação prejudicada devido ao vento forte, para o retorno dos surfistas às águas da Vila ocorreu na quinta-feira outro swell que se estendeu por todo o dia seguinte, encerrando o campeonato. Nos primeiros dias ocorreram todas as baterias iniciais bem como as repescagens. Algumas surpresas que já não têm sido tão surpreendentes como a perda de Kelly Slater logo no início do campeonato encaminhando-o para a repescagem, vencida em cima do brasileiro Bernardo Miranda. Mineirinho, mesmo também tendo ido para repescagem recuperou-se e também se encaminhou.

Após boas baterias o campeonato estava se encaminhando e afunilando não apenas os primeiros colocados do tour bem como surfistas imponentes como Slater e Bede Durbidge. A torcida brasileira ia loucura a cada bateria vencida por Mineiro que tanto quanto o público se entusiasmava e por muitas vezes após suas ondas ao chegar no inside comemorava forte e chamava a torcida para cima. Mesmo tendo enfrentado pedreiras como o atual líder do tour Joel Parkinson, Mineirinho não decepcionou e no quintal de casa chegou à final, a segunda de sua carreira e a primeira na frente de seu país. Paralelo a toda essa emoção patriota, estava Slater que mesmo não sendo brasileiro levantava o público sim, ver o nove vezes campeão mundial mandar um floater de nove metros em sua prancha teste (Slater tem feito testes no tour com novas pranchas) só poderia mesmo animar qualquer um que admira uma onda bem surfada e no quintal de casa ou não, era ele quem enfrentaria Mineirinho na final, levando todos a uma expectativa maior ainda.

Enfim, a final. Um pequeno intervalo de 15 minutos e lá estavam eles. O comentário era geral e inevitável "a final dos sonhos". A consagração de Mineirinho ou o ressurgimento da lenda viva Slater. A expectativa não era grande, era enorme. Ao vê-los entrando no mar através do canal ao lado da Ilha Santana de Dentro todos pararam. Tenho certeza, muito pensaram: pra quem torcer? Reconhecia-se e respeitava-se Slater, entretanto, o lado patriota bateu e a praia inteira manifestava-se a favor de Mineiro, se vencesse, Slater ganharia pela quadragésima primeira vez uma etapa do tour e Mineirinho pela primeira. Tão jovem, dedicado, grande esperança do surf brasileiro e em casa? A festa tinha de ser verde e amarela. E não foi, mesmo após levantar todos com seu high score de 8 pontos, tendo liderado por um bom tempo e já comemorado muito durante a bateria, quem realmente comeu quieto ao estilo mineiro e levou a taça foi Slater.

Slater pegou uma onda e logo atrás Mineirinho dropou também, entretanto, desta vez, ao contrário de todas as outras ondas de Mineiro o público se calou, Slater tinha acabado de fazer uma onda quase perfeita e todos já haviam sentido isso, a nota? 9.27. Seguida de um 8.67 e da necessidade de Mineirinho tirar 9.94 para superá-lo. Aos minutos finais todos sabiam que seria difícil, no entanto, não abandonaram Mineirinho. Na festa do pódio, os dois foram ovacionados e de mãos dadas e braços erguidos, a lenda gringa e a esperança nacional reconheceram o público e seu poder contagiante, agradeceram a todos, agradeceram um ao outro e tenho certeza, agradeceram como devem agradecer todos os dias a energia que o surf proporciona a eles e a toda essa comunidade que como já dizia o velho bordão não vê o surf como esporte e sim, um estilo de vida, fazendo as promessas de dias melhores virarem realidade e mais um pouco.