Quem não berra não é ouvido


O ano era 1886 na industrializada cidade norte-americana de Chicago. Ser um operário daquelas fábricas era jogo duro na época. As jornadas de trabalho iniciavam cedo da manhã e se estendiam até bem tarde da noite.
Os salários, em contrapartida, não chegavam nem perto de todo o esforço empregado pelos trabalhadores.

Até que eles se deram conta de que isso era quase uma escravidão e no dia 3 de maio milhares se juntaram em uma manifestação para reivindicar uma jornada de 8 horas diárias. Neste mesmo dia houve um pequeno levante de uma parte dos trabalhadores que acabou em confusão com a polícia. O enfrentamento resultou na morte de alguns manifestantes.

No dia seguinte, outro protesto foi realizado contra as fatalidades ocorridas no dia anterior e, desta vez, uma bomba jogada por pessoas não identificadas acabou por matar sete policiais.

Como reposta, os agente abriram fogo contra a multidão e mais doze trabalhadores foram mortos. Estes acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haymarket.

Nesta mesma época, manifestações semelhantes aconteceram em outros locais do planeta.

O tempo passou e a luta continuou, até que em certo momento os patrões foram obrigados a ceder, forçados pelo apelo popular.

Porque escrevo tudo isso? Para dizer que não há conquistas sem luta e engajamento das classes. E não tem nada a ver com mortes e ações violentas, isso é só para frisar que por trás de qualquer conquista existe uma dose de sacrifício.

Legisladores, prefeitos, governadores, presidentes, patrões e qualquer outro cargo de comando só levam a sério e se dedicam aos apelos populares quando estes notam que determinada classe possui força política.

Os que não se organizam e pressionam, nada conseguem. Ninguém irá prestar atenção em seus problemas. Quem não berra não é ouvido.

O que acontece no Rio Grande do Sul no caso das áreas de pesca e surf é exatamente isso. Há quase trinta anos os surfistas são uma minoria que assiste calada os seus semelhantes morrerem enredados em cabos e redes.

Uma minoria ainda mais diminuta aos olhos dos donos das canetas oficiais.

Os surfistas discutem e extravasam sua indignação em rodinhas de conversa na beira da praia ou mais na noite, tomando umas.

Nossos protestos acontecem no outside, lá fora, tão distante que nenhuma voz é ouvida.

Qualquer manifestação contra essa atrocidade que vem dizimando jovens e suas famílias, reúne mais pessoas que uma partida de xadrez. No máximo, todos os surfistas presentes em um protesto cabem dentro de uma Towner.

Isso é lamentável e triste. Nosso levante é do tamanho de um quebra-molas acahatado e, nesta levada, nunca conseguiremos nada.

Você aí que está lendo este texto, já participou de alguma manifestação em defesa da regulamentação das áreas de surf e pesca? Já? Você era um daquela meia dúzia? Parabéns!

Agora, se você nunca se interessou em participar de algum protesto e acha que isso não adianta nada mesmo, fique sabendo que é por pessoas como você que até hoje pouca coisa foi conquistada.

Todos, absolutamente todos os surfistas são um pouco responsáveis por cada uma das 46 mortes ocorridas nestes últimos 26 anos.