O apanhador de ondas

"Fôlego" (Ed. Argumento), do australiano Tim Winton, está sendo considerado "O Apanhador no campo de centeio" desta geração. O célebre livro do americano J.D. Salinger, clássico sobre a formação de um adolescente em desajuste com a escola, família e mundo nos EUA dos anos 60 ganhou um surpreendente sucessor. Surpreendente porque conquistou a crítica do mundo todo com a história de um surfista, Pinkelet. Este tímido menino aussie descobre a beleza, magia e perigo de surfar junto do louco companheiro Loonie. Ambos são inspirados por um misterioso guru local das ondas, Sando, que vive com sua amargurada mulher americana, Eva, em uma casa de madeira rústica e bela escondida nas montanhas defronte de um pico mágico do oeste australiano.


Contra o cotidiano simplório e entediante de Sawyer, minúsculo povoado em que moram, Pinkelet e Loonie viciam-se completamente nas ondas e buscarão junto do mentor Sando ondas cada vez maiores e temidas. Loonie deseja ser um big rider e sua loucura e frieza o farão conseguir. Mas talvez ele nunca entenda a grandeza maior do surfe. A grandeza percebida e narrada no livro por um Pinkelet já maduro e agora um paramédico, relembrando sua infância:


"Era difícil imaginar morte quando à sua frente estavam aqueles caras dançando pela baía, com um sorriso na cara e o sol batendo no cabelo. Eu era menino e não sabia como colocar aquilo em palavras, porém mais tarde entendi o que capturou a minha imaginaçã naquele dia. O quanto era estranho ver aqueles homens fazerem algo belo. Algo sem sentido, algo elegante, como se ninguém estivesse vendo, como ninguém se importasse. Em Sawyer, uma cidade de operários de serraria, lenhadores e criadores de gado, com um açougue e um banco rural ao lado do posto de gasolina da British Petroleum, os homens faziam coisas sólidas, práticas, a maioria trabalhos manuais... não havia muito espaço para a beleza nas vidas dos nossos homens.
[...]
Sempre vou me lembrar da minha primeira onda naquela manhã. O cheiro de parafina, da salmoura, dos arbustos. A maneira como a ondulação se avolumou embaixo de mim, como um corpo que se enche de ar. O modo como a onda me impulsionou para a frente e como fiquei em pé, patinando com o vento gerado pelo impulso passando pelas minhas orelhas. Eu me inclinei contra a parede de água e a prancha me obedeceu como se fosse parte do meu corpo e da minha mente. A névoa dos borrifos de água. As infinitas faíscas de luz. Lembro daquela figura solitária me observando na praia e o vulto do sorriso de Loonie quando passei voando: eu estava embriagado. E embora eu já tenha vivido o bastante para ser o velho que sou hoje... ainda julgo cada momento de alegria, cada vitória e revelação à luz daqueles poucos segundos de vida
".