O coelho volta pra toca

WAYNE "RABBIT" BARTHOLOMEW ANUNCIA SAÍDA DA PRESIDÊNCIA DA ASP E DEIXA A SEGUINTE DÚVIDA: SEU LEGADO FOI BOM OU RUIM?




Campeão mundial em 1978, Rabbit foi um grande surfista, um dos primeiros a surfar de forma competitiva, sem deixar de viver o lado "soul" do surf. Expoente do esporte no seu início, era a perfeita personificação de um "aussie".

Mas como todo jovem largado, teve suas confusões por aí, sendo a mais célebre de todas seu espancamento, em 1976, por marginais havaianos, denominados "black trunks", insatisfeitos com uma matéria escrita por ele numa revista especializada americana em que afirmava que os australianos eram os melhores surfistas no Hawaii. Com certeza, tal lição lhe ensinou que a política é uma ótima forma de se conviver pacificamente. E foi isso que basicamente ele fez durante seus dez anos como presidente da ASP.

Rabbit sempre foi ligado a Billabong, marca com que trabalhou idealizando eventos e projetos. Mesmo assim, tinha ótimo trânsito com outras grandes da surfwear, principalmente na Austrália. Como ex-surfista profissional, também era visto com bons olhos pela geração que hoje movimenta as estruturas do surf moderno. Mas será que ele fez grandes coisas pelos seus pupilos?

Acho que o melhor legado que Rabbit deixou sem dúvida foi ajudar a convencer os donos das licenças dos eventos do WCT para que fizessem suas etapas em ondas de qualidade, abandonando a ideia de grande público e criando o Dream Tour. O salto de qualidade do surf foi extraordinário e os países que não contam com um litoral tão abençoado, como o Brasil, tiveram que se desdobrar para aprender a surfar estes tipos de ondas. Quase uma década após estas mudanças, bastante criticada na época pelos próprios surfisas e dirigentes brasileiros, nossos meninos mostram na água que isso beneficiou, e muito, a nossa evolução.

Outro ponto positivo desta nova filosofia foi a tecnologia da internet usada pela ASP, que é a única do mundo dos esportes, com uma qualidade impressionante comparado ao que se vê por aí. Sem dúvida o surf está anos luz à frente de qualquer outro esporte quando se fala em transmissão via internet. Mas problemas antigos não foram resolvidos na gestão de Rabbit, que parece ter fechado os olhos para não se aborrecer.

A mísera premiação dos eventos, apenas 340.000 dólares por etapa, distribuídos para 48 surfistas, é reflexo da pouca vontade política de Bartholomew em comprar briga com muitos dos seus amigos donos de marca. A saída seria tentar patrocinadores fora do mercado, mas creio que estes mesmos donos de marcas não tem muito interesse em dar a fatia de um bolo que eles mesmos fermentam há décadas tão facilmente. Com isso, quem perde são os Top 45, em sua imensa maioria um bando de jovens sem muita noção de valores na cabeça e que estão bem satisfeitos por poder ganhar uns 5.000 dólares por mês para surfar ondas de sonho. É uma pena eles não se tocarem que esta vida é curta e pode acabar numa rasa bancada em Teahupoo ou Pipeline. O próprio Slater, único ser humano vivo com nove títulos mundiais em esportes de elite e quarenta vitórias n Tour, ainda não chegou aos dois milhões de dólares em premiação com quase 15 anos de competição.

Outra situação ridícula é a vivida no Hawaii. Como pode a comunidade de um lugar que mais parece uma roça ─ North Shore ─ definir o destino de vários surfistas que passam o ano inteiro tentando a classificação para a próxima temporada e veem as regras mudarem afetando suas carreiras? A grande maioria desdes titãs havaianos do surf, não passa uma bateria no WCT. E são eles que resolvem surfar nas fases que quiserem, pegar as ondas que quiserem e espancarem quem quiserem. Muito justo né, Rabbit?

Mas pra que se indispor novamente com esses malucos havainos? É melhor fazer vista grossa para covardias, pressão e marginalidade do que peitar a pseudo comunidade pró-Hawaii e fazer com que as regras sejam as mesmas para todos. Afinal, se o Jamie O'Brien, um brilhante surfista, quer urfar etapas do WCT, que faça o mesmo que os brasileiros, franceses, japoneses, sul-africanos, que não tem a mesma tradição que os EUA e Austrália mas que seguem o WQS comendo o pão que o diabo amassou sonhando um dia em usar uma lycra do Dream Tour.

Acho que agora seria uma grande oportunidade de colocar alguém com mais ousadia e tino comercial para presidir a ASP. Uma pessoa como Peter Townend, conterrânio de Rabbit, mas que vive há muitos anos na Califórnia, onde o dinheiro se encontra.

É bem legal ter um escritório de cada pra Kirra, mas está na hora da ASP dar um passo firme a uma maior profissionalização, ou corre o risco de ser engolida pelo skate, snowboard e outros esportes radicais que estão vindo com tudo, roubando espaço do surf na mídia e atraindo cada vez mais adeptos. Rabbit foi o porta voz do Circuito dos Sonhos. Mas o que o surf profissional precisa agora é de muita realidade.