A lenda de Big Max e Joe Boy


Califórnia, décadas atrás. Um bêbado com um carro na mão voltando de uma festa. Assim Maya foi embora. O assassino a pegou de frente, na contramão. Asim terminou a vida de Joe na praia onde era local, no pico que amara desde pequenino. Depois de remar lá pra fora, sozinho, e espalhar as cinzas dela no mar, ele voltou para a casinha que tinha erguido com as próprias mãos, pegou tudo, enfiou no velho caminhão e partiu. Nunca mais ouviram falar dele. Joe Boy desapareceu. Levou apenas poucas roupas, muitos livros, uma foto de Maya em PxB e seu salvo conduto contra a loucura da solidão do amor perdido: Max. Big Max. Um tão imenso quanto dócil e brincalhão São Bernardo.

Deixou suas pranchas na porta, para o primeiro menino com vida que aparecesse. Joe e Max atravessaram o país em busca do norte mais isolado possível e longe, muito longe da praia mais próxima.

Alcançaram as montanhas. Brancas, nevadas. Uma casinha de madeira no meio do nada. O nada no meio do peito. Alguns anos cortando madeira, caçando, sobrevivendo, lendo. Longas caminhadas com Big Max. Buscando um pouco de paz de espírito e a exaustão para poder dormir. Para poder escapar dos pesadelos recorrentes: longas ondas azuis cristalinas e o sorriso de Maya.

Logo ele se parecia com tudo, menos com Joe Boy. O rosto, a luz e o jeito de menino deram lugar à face fria, longa barba e olhos perdidos. Apenas Big Max conseguia arrancar-lhe breves movimentos dos lábios, esboços e sorrisos. O cão disparava, corria, pulava nele. Mas certo dia ele desistiu, e passou a apenas sentar e apoiar a cabeça amiga no colo do dono e amigo. Pelo menos um pouco do calor do afeto. Talvez o carinho do cão lembrasse Joe de como ele era o rei dos abraços no passado em que vivia, amava e surfava no paraíso azul.

O ex-Peter Pan agora era um leão selvagem, apenas sobrevivia com a força e coragem que aquele lugar inóspito exigia. Um lugar cinzento. O azul só surgia no céu em breves dias de verão curto demais. Um azul que não tinha nada a ver com a matéria principal, ainda, lá no fundo do peito de Joe: o surf.

Um dia, no finalzinho de mais uma avalanche de neve, o cão pulou pela janela, arrebentando o vidro. Joe deu então, desesperado, o seu primeiro grito desde que Maya partira. Berrou por Max, que não recuou e seguiu correndo. Pouco depois Joe abriu a porta e parou, imobilizado. De repente sentiu algo que só um menino ente na primeira vez, na primeira session, no primeiro amor.

Big Max já estava voltando, só que desabando montanha abaixo em alta velocidade. As quatro patas muito bem agarradas em um pedaço retangular de alguma árvore estilhaçada. E, o melhor de tudo, o cão não parava de latir forte e abanar o rabo como não fazia há anos. Se é possível traduzir o "úh úh!" do surf em um latido, era exatamente o que aquele insano São Bernardo fazia.

Loucura, instinto, amor pelo dono, tentativa desesperada de fazê-lo reviver? Nunca saberemos,
mas naquele final de tarde perigoso e clássico, o velho leão da montanha voltou a ser Joe Boy. Graças a Big Max e sua maravilhosa descoberta: o snowboard.

Melhor amigo do homem é pouco.
Logo Joe resolveu construir outra casa.
Logo seu coração estava pronto para ser erguido novamente.
Não há nada que um bom dia de surf não cure.