A verdade sobre o bodyboarding

Sou contra qualquer tipo de preconceito. Estamos em pleno século XXI e não existe nada mais lamentável do que a discriminação. Tudo bem que já avançamos muito nesse campo, uma vez que mulheres, negros e gays vivem hoje em situação bem mais confortável do que décadas atrás. Mas tem uma coisinha que continua me incomodando, e muito. Ora, pelo nosso histórico de vida, nós surfistas deveríamos ser liberais na essência e nas ações, mas não é isso o que acontece.

Vamos ser sinceros. Qual de vocês nunca presenciou um comentário maldoso para com um irmão bodyboarder? Quantos de vocês não desejaram que os praticantes desse esporte deitado simplesmente não existisse? Quem não passou horas inventando nomes pejorativos como esponja, tampa de privada, aleijado, pagador de promessas, bolebole, e tantos outros que não convém registrar? Pois bem, chegou a hora de assumir essa faceta desprezível da nossa tribo. A hora da verdade. Somos preconceituosos, somos segregacionistas, somos xenófobos. Somos uns seres primitivos, em suma.

E basta olhar em volta. Quantos amigos praticantes desse esporte você tem? É triste, mas surfista anda com surfista e bodyboarder anda com bodyboarder. Não nos misturamos. Isso é ridículo.

E precisa acabar. Somos todos livres para escolher nossos caminhos e ninguém tem nada a ver com isso. Se surfar deitado numa prancha de espuma colorida faz o cara feliz, o problema é dele. Só dele. Ninguém tem de se meter nem ficar falando que o esporte dos bodyboarders deveria ser praticado só pelas meninas, que elas ficam uma graça batendo o pesinho no outside, mas que não pega bem pros marmanjos. Esse pensamento machista é ridículo. Eu já penso o contrário e os acho muito corajosos. Eles podiam ter escolhido surfar em pé, como todo mundo, mas não, optaram pelo caminho mais difícil, que certamente seria mais discriminado. Escolheram descer deitado. E estão pouco se lixando para a zombaria, para as piadinhas preconceituosas. É por isso que eu admiro esses caras.

E daí que a prancha de bodyboarding é bem mais barata? e daí que é bem mais fácil de aprender a praticar? E daí que basta descer reto na espuma e não precisa nem ficar de pé? Cada um gosta do que gosta. E veja o caso dos nossos patrícios portugueses, onde a grande maioria dos caras surfa deitado de bodyboarding e as meninas de pé numa prancha de surf. Isso com certeza deve ser um sinal de avanço, uma vez que Portugal fica na Europa e eles são muito mais educados do que nós, selvagens brasileiros.

Arrisco dizer que essa atitude pequena da comunidade do surf em não aceitar os bodyboarders não passa de um localismo disfarçado. Nós surfistas temos de entender que os direitos são os mesmos, pouco importa se chegamos primeiro. Por isso, trate de segurar o bico quando o seu instinto de surfista bitolado lhe disser para atropelar o cara que vem deitado. Não, ele não vem se arrastando, deixe de ser preconceituoso. Aceite o simples fato de que o que ele está fazendo é surf. Ele está surfando, assim como você. Respire fundo. Respeite as diferenças.

Nesses anos de surf, quantas não foram as vezes em que me vi sentado no outside ao lado de um bodyboarder. E quantas não foram as vezes em que me vi quase perguntando "por quê"? Por que deitado? Por que meio em pé e meio ajoelhado? E essas voltinhas? Que manobra é essa? Mas graças aos céus me contive, e sozinho entendi que mesmo que o bodyboarding não existisse, outra coisa estaria em seu lugar. Graças a dividir o line up com os praticantes dessa outra modalidade de esporte, fui obrigado a me dominar, fiquei mais racional e menos bicho. Me elevei. É isso. Os bodyboarders obrigam a nós, surfistas, ser pessoas melhores. Toda vez que um cara passa deitado e a galera do surf não rabeia, eu tenho mais fé na humanidade. É sinal de que estamos evoluindo. Por isso, faça um amigo body hoje. Fala oi para o cara. Libere uma onda. Convide-o para uma cerveja. Quem sabe ele não tem uma irmã maneira?